Notice: Undefined variable: base in /var/abrasel.com.br/revista/site/templates/head.inc on line 67

Trabalhador rural deixa sertão da Paraíba para ser garçom no Sudeste e volta 16 anos depois como empresário de restaurantes

José Miguel Sobrinho

Por Danilo Viegas

Para José Miguel Sobrinho, a expressão “acabar em pizza” deveria ter um novo significado. O motivo é plausível; na trajetória profissional do empresário, a vida começou com pizza e com ela se mantém. Trabalhando no setor de alimentação fora do lar há mais de 25 anos, ele abandonou o serviço braçal no sertão da Paraíba para ser lavador de pratos no Rio de Janeiro, onde aprendeu o ofício de pizzaiolo, foi convidado a trabalhar em Brasília e voltou ao estado natal para abrir um dos mais prestigiados restaurantes de João Pessoa, o Arte da Pizza.

Inaugurado em 2008 com 60 lugares, o estabelecimento já passou por três ampliações e hoje tem capacidade para mais de 180 pessoas, acumulando prêmios de inovação, excelência em atendimento e reconhecimento por parte do público, com José atuando, inclusive, como presidente da Abrasel na Paraíba na gestão 2016-2018. Mas como um trabalhador rural que decidiu largar a enxada ainda na adolescência para tentar a sorte na cidade grande virou um empresário de sucesso? “A busca pelo conhecimento desde sempre fez parte da minha rotina”, argumenta.

Do sertão ao Rio

Nascido em São José de Caiana, no Vale do Piancó, a 454 Km da capital da Paraíba, cidade que tem hoje pouco mais de seis mil habitantes, José morava na área rural, com os pais e dez irmãos. A família cuidava de fazendas em troca de comida e moradia. O trabalho começou aos sete anos de idade, ajudando os irmãos no campo dando ração para o gado e fazendo o corte da carne. Aos 13, saia com os irmãos pela vizinhança para vender milho, laranja e hortaliças. “Já treinando essa desenvoltura de comerciante”, relembra.

Como muito amigos e familiares, aos 17 anos fez parte da corrente migratória que historicamente saía do Nordeste para tentar melhorar a qualidade de vida em outras regiões do Brasil. Um dos irmãos já estava no Rio de Janeiro, trabalhando como garçom em um restaurante com um nome propício para a ocasião, o Fratelli, que em italiano significa “irmão”, em tradução literal. O estabelecimento se acomoda até os dias de hoje na Barra da Tijuca e é conhecido pela gastronomia italiana e sua variada carta de vinhos, que conta com mais de 3.200 garrafas de 250 diferentes rótulos. “Cheguei na cidade às 14h e às 16h já estava trabalhando lavando pratos. Fiquei um tempo na pia, mas sempre fui curioso. Logo o gerente já percebeu meu potencial e fui para outros setores como produção e atendimento, mas no que me dei bem mesmo foi fazer pizza”, conta.

Deu tão certo que um empresário de Brasília o convidou para trabalhar na capital federal como pizzaiolo, já com toda a família morando no Rio. “Tinha coragem e vontade de crescer, então peguei minhas coisas e fui”. No Planalto Central, José trabalhou por três anos e voltou ao Rio para trabalhar com a esposa.

O sonho do próprio negócio

Foi em 2004, numa viagem de lazer à Paraíba, que surgiu o estalo de explorar, em João Pessoa, cidade conhecida como Porta do Sol, sua veia de empreendedor. Curiosamente, José nunca havia pisado na capital do estado onde nasceu, então a visita como turista pode ser descrita como uma paixão à primeira vista. “Gostei do clima e das pessoas e via também que a pizza aqui tinha uma qualidade muito ruim, então pensei que ia nadar de braçada”, brinca.

“Tinha vontade de abrir meu próprio negócio, mas nunca pensei que fosse um sonho possível de ser realizado, era algo muito distante. Sorte que puxei justamente esse lado sonhador da minha mãe, então esse desejo sempre esteve em mim e conforme, evoluía tecnicamente como pizzaiolo, isso foi crescendo também”.

Mesmo pesquisando por dois anos o ponto certo para o estabelecimento, José e a esposa optaram por um endereço onde os três últimos empreendimentos não haviam dado certo. “Brincavam que tinha uma cabeça de porco enterrada no lugar e chamavam a gente de doido por investir lá, mas o segredo era o bairro, que estava crescendo até mais que os do litoral, exauridos”, lembra.

Com 40 mil reais no bolso, fruto de árdua economia, o casal deu entrada no sonho de ter um restaurante. “O próprio rapaz que me vendeu as mesas e cadeiras disse que eu era doido e nos três primeiros meses realmente tivemos muita dificuldade, simplesmente porque eu só sabia fazer pizza, e não tocar um negócio”.

A estratégia para virar o jogo teve inspiração no marketing de guerrilha. O próprio José fazia pizzas e visitava centros comerciais oferecendo degustações gratuitas às pessoas. O Arte da Pizza apostou também no segmento à la carte, indo na contramão do mercado paraibano, que trabalhava em peso em rodízio. “Tínhamos ciência que o nosso produto era superior, era só uma questão de o apresentar aos clientes”.

Em busca de mais qualificação, José buscou consultorias e treinamento, com destaque para o Programa Agentes Locais de Inovação (ALI), do Sebrae, que ajuda a implantar gratuitamente práticas inovadoras em pequenas empresas. Foi daí que surgiu a ideia da criação do aplicativo de delivery próprio da casa, onde o cliente, além de fazer o pedido, acompanha o tempo de espera e, se preciso, até o trajeto do motoboy. Além disso, simples ações, como a oferta de borda recheada nas pizzas e a otimização dos insumos, a fim de evitar desperdícios, renderam um crescimento de 5% no faturamento mensal do restaurante.

A brigada também merece atenção. Hoje a casa conta com mais de 30 funcionários, que em seus respectivos aniversários participam do Dia Feliz. José explica: “Eles trazem as suas famílias para jantar e celebrar a vida e nós pagamos a conta. O mesmo tratamento que damos aos clientes, oferecemos para nossos colaboradores, que são as pessoas que fazem a diferença no operacional do negócio”.

Sucesso este já reconhecido. O Arte na Pizza ganhou em 2013 o prêmio de inovação em gestão do Sebrae no estado e em 2016 foi também vencedor do Prêmio MPE (Prêmio de competitividade para Micro e Pequenas Empresas), que tem como objetivo disseminar o modelo de excelência de gestão. O estabelecimento sagrou-se vencedor na categoria Serviço de Turismo, que contou com a participação de mais de 1.200 empresas de diversos segmentos.



Novos desafios

Em março de 2018, mais um salto na carreira de José: a abertura da segunda unidade do Arte na Pizza, desta vez no bairro de Tambaú, região turística de João Pessoa, reconhecida pelas belezas naturais de sua praia homônima, com águas de cor verde-azulada e areia fina. É lá que o empresário voltou às origens como pizzaiolo. Para mostrar a excelência das pizzas, é José quem põe a mão na massa para encantar os 75 clientes que cabem no local.

A nova unidade ainda passa por períodos de plantar sementes e possui um desafio que tem derrubado muitos empresários: a desleal concorrência com a informalidade. Os negócios legalizados atendem a toda burocracia do poder público, emitem nota fiscal, pagam aluguel, impostos, tributos e funcionários, além de responder a uma série de leis, normas e portarias que regem o setor de alimentação fora do lar. Já os ilegais não pagam impostos, não possuem sede fixa e não têm compromisso com a questão da saúde pública.

Uma pesquisa do IBGE mostra que atualmente 37 milhões de brasileiros trabalham no mercado informal, isso corresponde a 40% de todos os trabalhadores do país. Para enfrentar esta crise, José precisou agir drasticamente para não perder a clientela. Hoje, o tíquete-médio do Arte da Pizza é R$ 28 e, ainda sim, a casa consegue manter a qualidade. Para otimizar o atendimento, três trabalhadores foram contratados como intermitentes, isto é, eles trabalham apenas nos dias e horários específicos em que a empresa necessita de seus serviços.

“Temos um atendente, um caixa e outro trabalhador que fica na parte interna. É uma questão de ganha-ganha, eles conseguem conciliar trabalho e estudo e nós conseguimos suprir nossa demanda nos momentos de pico. Fazer parte da Abrasel me abriu os olhos para esta questão”, pontua José, que diz não ter dúvidas de que o desafio será vencido. “Quem sai do sertão para ganhar a vida como eu ganhei não se dá por derrotado assim tão facilmente. Vamos continuar crescendo e sendo referência no setor”, afirma. Aos clientes, a preocupação é simples: camarão ou chocolate. Qual pizza escolher em um dos melhores restaurantes da Paraíba?

Reportagem originalmente publicada na edição 126 da revista Bares & Restaurantes

Comentários