Aumento do teto do faturamento, mais crédito, impostos mais simples e incentivo do governo são demandas do setor
O novo governo Lula, que tomou posse oficialmente no dia 1º de janeiro, terá como um dos principais desafios na área econômica impulsionar as micro e pequenas empresas, que são uma das principais forças-motrizes do país.
Os pequenos negócios, que em 2022 chegaram ao número de 20,6 milhões no país, são responsáveis por 30% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados do Sebrae. Além disso, os Microempreendedores Individuais (MEI), Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte, que representam atualmente 99% de todas as empresas do Brasil, foram responsáveis pela criação de 72% dos empregos criados no país durante o primeiro semestre de 2022.
Uma das primeiras medidas já tomadas pelo novo governo, que deve auxiliar o setor, foi a recriação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), que será o responsável pela Secretaria da Micro e Pequena Empresa e Empreendedorismo.
Para o gerente de Políticas Públicas do Sebrae, Silas Santiago, com a volta do status de ministério da pasta, a expectativa é que o setor produtivo, junto com entidades como as confederações de agricultura, indústria e comércio e o próprio Sebrae, fortaleça o diálogo para destravar pautas voltadas aos pequenos negócios.
A reportagem conversou com especialistas e enumerou quatro pontos que devem ser observados pelo novo governo Lula para incentivar e apoiar as micro e pequenas empresas.
1 - Política pública de crédito para o setor
A dificuldade de obtenção de crédito é um dos maiores gargalos do setor. De acordo com uma pesquisa do Sebrae, publicada no final de dezembro, 61% dos donos de pequenos negócios recorreram a empréstimos como pessoa física para investir na empresa. É a primeira vez que esse número ultrapassa o de empréstimo para pessoas jurídicas de MEI e demais MPEs.
Uma das explicações para este fenômeno é que o crédito pessoal, apesar de ter juros mais elevados, é mais fácil de ser contratado, afirma Pedro Rigo, vice-presidente da Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e Empreendedores Individuais (Conampe). “A taxa mais elevada sufoca e impede o melhor desenvolvimento dos pequenos”, afirma Rigo.
“Não vai ser fácil, mas seria a solução ideal”, reforça Silas Santiago, do Sebrae, sobre a necessidade de o Pronampe contar com recursos permanentes. Hoje os recursos que estão no FGO/Pronampe são do orçamento extraordinário, e terão que começar a serem devolvidos a partir de 2025.
Silas Santiago aponta duas medidas para melhorar o crédito. A primeira seria segmentar o Pronampe, de forma a não deixar na mesma cesta os empreendedores de portes diferentes. A segunda é criar uma espécie de “Plano MPE” que ofereça funding para créditos subsidiados pelo menos para as microempresas, com juros equalizados.
2 - Simplificação tributária
A complexidade tributária do país é outro entrave para os pequenos empreendedores, que gastam tempo e esforços para lidar com regimes diferenciados de tributação entre Estados, como no caso do ICMS.
No Congresso, há projetos voltados que podem ajudar a enfrentar essa questão, como o PLP 127/2021, que aumenta as margens para enquadramento no Simples Nacional e dá liberdade para os estados escolherem os limites do ICMS, e a PEC 110/2019, que simplifica os impostos sobre o consumo.
“Principalmente o PLP 127, que altera o limite do Simples para R$ 5,7 mi, passou a ser um projeto prioritário para os pequenos negócios”, diz o gerente de Políticas Públicas do Sebrae Nacional, Silas Santiago.
A maior expectativa, no entanto, é sobre uma possível reforma tributária do governo Lula. O Ministério da Fazenda encarregou como secretário especial o economista Bernard Appy, conhecido por defender a criação de um imposto único de consumo, chamado de IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
“Um tributo único de circulação de mercadorias e serviços vai simplificar muito o sistema, porque a complexidade tributária é uma das precariedades para as empresas crescerem”, explica Johan Hendrik, da Unicamp.
“O obstáculo começa quando o empreendedor quer sair do regime de MEI. Ele começa a ter um faturamento saudável, a sonhar em profissionalizar a empresa, mas é aí que esse mecanismo tributário pesa, porque não é uma questão simplesmente financeira, é de entravar o modelo de negócio”, explica.
Pedro Rigo, do Conampe, destaca a grande burocracia para abertura e fechamento de negócios no Brasil. Além disso, ele reforça que o tratamento diferenciado dado aos pequenos negócios, garantido pela Constituição, deve ser garantido pelo novo governo.
3 - Aumento dos limites de faturamento e de contratação de funcionários para os MEI
Uma das mudanças mais aguardadas, principalmente pelos microempreendedores individuais, é o aumento nos limites do faturamento para o enquadramento na categoria, que está em R$ 81 mil desde 2018.
Atualmente, a mudança já está prevista em uma proposta em tramitação no Congresso. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2021 prevê o aumento da receita bruta anual dos MEI para R$ 130 mil. Porém, um parecer aprovado em comissões da Câmara e que pode ir a plenário aumenta este limite para R$ 144,9 mil anuais, além de fazer mudanças nas margens de ME e PPE.
Outro ponto previsto pela matéria é a liberação de contratação de dois funcionários para cada MEI. Hoje, um microempreendedor individual só pode contratar um empregado. Outro ponto do texto é a previsão de um reajuste anual dos tetos a partir de 2024, utilizando a inflação como base para o aumento dos futuros limites.
“Esse limite não condiz com a realidade, nem com o acúmulo da inflação”, diz o vice-presidente do Conampe, Pedro Rigo. Segundo ele, prever reajustes anuais facilita a “queda de braço” e a “maratona” pelas quais o setor precisa passar toda vez que quer discutir um novo aumento nos tetos.
Já Silas Santiago, do Sebrae, diz que a articulação parlamentar é necessária e que a indexação geraria efeitos ruins para a economia. “É um efeito inercial, que não é bom. O ideal é que não tenha indexação, que a inflação seja baixa”, defende.
4 - Melhorar o ambiente de negócios
Incentivar a participação das micro e pequenas empresas na economia é um dos pontos que, segundo os especialistas, merece atenção do novo governo. Mas para isso tudo dar certo, é preciso que a situação macroeconômica também melhore, o que significa juro básico mais baixo, aliado a uma menor inflação e a um câmbio mais baixo.
O dólar mais baixo em relação ao real, por exemplo, pode ajudar as micro e pequenas empresas a importar produtos e insumos por custos mais baixos. Parcerias bilaterais entre países também podem impulsionar alguns negócios.
Em dezembro, o gabinete de transição do governo Lula já havia sinalizado a criação de consórcios de microempresas para vendas de serviços e produtos no exterior. Segundo o professor da Unicamp Johan Hendrick, no entanto, o movimento contrário, de importação, também é importante – principalmente com países da América Latina, o que deve ser o foco do governo Lula.
“Todo novo governo que entra tem que aproveitar as oportunidades para trazer reformas estruturantes. Vamos estar juntos, dando subsídios, dizendo o que os pequenos negócios precisam”, afirma Silas Santiago, gerente de Políticas Públicas do Sebrae.
Fonte: Jota