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Valerio Fabris

Os simultâneos movimentos do Ministério da Economia para a racionalização e simplificação do Estado, no âmbito do governo central, sinaliza que as 27 unidades da Federação e os 5,57 mil munícipios brasileiros terão que seguir o mesmo caminho das reformas estruturais. “É fundamental que esse movimento que ocorre lá em cima, na União, desça aos territórios da vida real dos cidadãos, que são os municípios”, diz o empresário gaúcho e conselheiro nacional da Abrasel, Pedro Hoffmann.

O advogado Percival Maricato, presidente da Abrasel em São Paulo, afirma por sua vez que a aprovação pelo Senado da Medida Provisória (MP) da Liberdade Econômica, ocorrida no dia 21 de agosto, mostra aos governantes dos estados e municípios que as recentes medidas administrativas e leis adotadas no âmbito da União sinalizam procedimentos semelhantes a serem praticados nos estados e municípios. “São atitudes que representam um impulso na direção certa. Que as assembleias legislativas e câmaras municipais na mesma linha aprovem leis, inovando e arejando o ambiente de vida, de trabalho e de empreendedorismo”.
Luana Tavares, diretora executiva (CEO) do Centro de Liderança Pública (CLP), considera que tem de haver um desdobramento das mudanças federais aos estados e municípios, sob pena de os reflexos positivos, no conjunto do país, tornarem-se frágeis e limitados. “Os estados e, principalmente os municípios, fazem a conexão na ponta. Acho que até agora estamos subestimando essa questão, porque as atenções naturalmente concentram-se em uma agenda nacional com muitos temas, como as reformas previdenciária e tributária, o marco legal do saneamento básico, a MP da Liberdade Econômica.

Até mesmo as equipes do CLP se ativeram às causas priorizadas pela instituição, como as das reformas política e previdenciária, atuando junto às lideranças parlamentares ao longo dos últimos três anos, sobretudo depois de fevereiro de 2019, com o início da atual legislatura. O CLP, sediado em São Paulo, é uma organização suprapartidária e sem fins lucrativos, fundada em 29 de fevereiro de 2008, pelo cientista político Luiz Felipe D’Avila. Ele se tornou mestre em Administração Pública pela Harvard Kennedy School, que o inspirou a reproduzir no Brasil o núcleo acadêmico Center for Public Leadership, mantido pela universidade americana.

A diretora executiva do CLP observa que a intrincada e onerosa engrenagem do sistema previdenciário brasileiro se reproduz nas instâncias estaduais e municipais. Sem que se atrele a reforma previdenciária federal às reestruturações dos sistemas aposentadorias e pensões dos estados e municípios, não se resolve no país o crônico e crescente passivo de todo o sistema. “Há mais de 2,1 mil regimes previdenciários próprios nos estados e municípios”, informa Luana. De acordo com o deputado Samuel Moreira (PSDB/SP), que foi o relator da reforma da Previdência na Câmara Federal, o déficit nos estados e municípios é de R$ 96 bilhões por ano, o que significa, no prazo de dez anos, uma projeção de um buraco de “quase R$ 1.2 trilhão”.

Pedro Hoffmann observa que atualmente já ocorrem duplicidades e superposições entre as normas federais, estaduais, requerendo-se uma sintonização dos regulamentos no âmbito das três esferas políticas. Ele conta que em certa ocasião foi autuado sob a alegação de que não estava cumprindo uma norma municipal, sendo que ele já havia se enquadrado no regulamento federal que tratava da mesma exigência. “Eu estava completamente dentro da lei, que era a RDC 216 (Resolução da Diretoria Colegiada, referente a serviços de alimentação, nas atividades de manipulação, preparação e armazenamento), mas fui autuado porque não estava dentro lei do município”.

Maricato observa que “quando ocorre confronto, em princípio determina-se que a lei superior absorva a lei inferior, mas há juízes que acham que a lei municipal tem de, em determinadas situações, valer mais do que a estadual e federal”. Por isso, torna-se necessário uma ação sincronizada simplificadora e desburocratizante entre os estados e municípios brasileiros, coadunando-se com as leis e regulamentos federais, como as que fazem parte da MP da Liberdade Econômica. Por exemplo, na eliminação da necessidade de licenciamentos e alvarás para atividades de baixo risco, entre elas a de bares e restaurantes.

O presidente da Abrasel em São Paulo entende que é indispensável uma ação dos empreendedores e da sociedade para que as prefeituras e câmaras municipais aprovem leis afinadas com o tom da MP da liberdade econômica, tendo em vista que os municípios representam a principal área de interesse do setor da alimentação fora do lar, sobrepujando as instâncias estadual e federal. “Que localmente se eliminam leis burocráticas, onerosas e restritivas. A MP da Liberdade Econômica é muita positiva para que o país inteiro abrace uma outra concepção, realmente de uma economia moderna, sem a recorrente ingerência estúpida, hipócrita, caríssima e limitadora, tão frequente por parte de parlamentares inexpressivos, que – ansiosos por aparecer um pouquinho – tentam conquistar espaço na mídia com leis absurdas, sem pé nem cabeça

Essa afinação das leis municipais com a MP tem de contemplar, ainda, mudanças tais como: - A concessão de direito às pessoas e empresas de arquivarem seus documentos por meio de microfilme ou por meio digital, que terão o mesmo valor dos documentos físicos; os órgãos federais terão de estabelecer prazos para a obtenção de licenças, alvarás e quaisquer outras liberações do poder público, sendo que, se depois do prazo estipulado não houver manifestação, o pedido será considerado atendido; a substituição do eSocial por um sistema mais simples, dispensando-se a exigência de se colocar as excessivas informações requeridas na plataforma atual, como os números de título de eleitor, de identidade, de PIS/PASEP, entre outras; acaba-se com a exigência de afixação, em local visível, do quadro de horários dos trabalhadores; o registro de entrada e saída será exigido somente de empresa com mais de 20 funcionários (atualmente a anotação é obrigatória para empresas com mais de dez trabalhadores); as agências bancárias ficam liberadas para funciona ao sábados; as atividades econômicas podem ocorrer em qualquer horário ou dia da semana, incluindo feriado, desde que se respeitem as regras ambientais, trabalhistas e de vizinhança.


Sem conexão com o chão, não há solução, diz o advogado paulista Carlos Ari Sundfeld


Os empreendedores devem aproveitar o clima gerado com a série de iniciativas desburocratizantes, anunciadas em Brasília, para envolver as prefeituras e câmaras de vereadores na elaboração de decretos ou leis bem feitos, que “efetivamente flexibilizem com segurança” as exigências impostas às suas atividades. Trata-se de uma mobilização “que dá trabalho, tendo-se de ir a cada município, a cada Estado, envolvendo-se as administrações no debate e na construção das medidas”, de modo a se criar uma “forte disposição local”, favorável aos textos aprovados.

Esta é análise do advogado Carlos Ari Sundfeld, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, ex-procurador do Estado de São Paulo, um dos formuladores da Lei Geral de Telecomunicações e da criação das agências reguladoras. “As reformas de cima para baixo, sem o mínimo de tentativa de envolver a própria administração pública no debate, na construção da medida, na maior das vezes gera reações negativas, ainda que estejam bem feitas. Por quê? Porque não se tem um espírito forte dentro da administração pública favorável àquelas novas regras. Acaba-se não se obtendo efeito nenhum”.

A comunicação e os entendimentos com parlamentares, prefeitos, governadores e lideranças sociais são essenciais, em sua opinião, para que as decisões realmente tenham eficácia. “Quando vêm de cima para baixo, não funcionam”. Ele aponta a condução da reforma previdenciária como exemplo de articulações bem conduzidas, abrangendo-se negociações com prefeitos, governadores, parlamentares, lideranças empresariais e trabalhistas, chegando-se a um “mínimo consenso sobre a necessidade e a forma de fazê-la”.

Sunfeld considera que a exigência de se dialogar com os vários segmentos da sociedade brasileira, motivando a população a endossar e apoiar a jornada nacional de simplificação da vida cotidiana, abre uma oportunidade sem precedente para se mudar a generalizada cultura de passividade dos cidadãos diante do emaranhado burocrático em que estão imersos. Sem esse enraizamento, por mais que se divulguem as medidas desburocratizantes, os efeitos acabam sendo de curta duração.

Ele lembra de quando se criou o Ministério da Desburocratização, em 1979. O anúncio de maior repercussão popular, no conjunto das medidas anunciadas, foi a de desobrigação do reconhecimento de firmas nos cartórios. Depois de uma fase de euforia, em que houve o cumprimento geral da eliminação da exigência de reconhecimento de firma, a nova prática foi se arrefecendo, tendo durado apenas quatro anos, de 1979 a 1983, quando comandava o país o general João Figueiredo.

Desde então, todos os presidentes da República, com exceção de Itamar Franco (1992/95), sancionaram leis específicas para a abolição do reconhecimento de firma: José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer. “Uma entre as coisas que se conseguiram fazer naquela época foi a de que o exame médico para a carteira de motorista teria validade até os 40 anos de idade. Tirei minha carteira aos 18 anos. Não precisei renovar o exame médico durante 22 anos. E isso acabou mudando depois, tendo se revertido, mesmo em se tratando de um tema que tanto incomoda as pessoas, como o exame médico. Ou criamos um movimento que vem de baixo para cima, ou nos frustraremos a cada três ou quatro anos, voltando tudo para trás”.

O advogado acha que se chegou agora a um momento especialmente propício para a arregimentação da sociedade em favor de uma revisão da herança burocrática. Isso por que, como argumentou, começa-se a viver mais intensamente a era da tecnologia digital e do compartilhamento. A exponencial ascensão de um mercado sob demanda coloca em questão o modelo do Estado regulador, seja nos transportes (em que os ônibus e os táxis cedem lugar aos aplicativos, como o do Uber) ou nas hospedagens (em que os hotéis, antes exclusivamente categorizados pelo Ministério do Turismo, perdem para o Airbnb o domínio do setor). O ‘smartphone’ na palma da mão tornou o consumidor soberano em suas decisões, uma realidade advinda do processo de privatização dos serviços de telecomunicações, no qual Sundfeld foi um dos formuladores.

Especialista em regulação do mercado, ele enxerga uma crescente fragilização do império burocrático. Mas, identifica no mundo privado uma paradoxal burocratização nas minudências do dia a dia. “Cá entre nós: a sociedade também se burocratizou muito. Dou um exemplo. Agora que se está querendo diminuir as licenças dos estabelecimentos, inclusive de bares e restaurantes, dispensando-se a autorização para que entrem no mercado, eu mesmo tenho de solicitar liberação para entrar no prédio onde faço fisioterapia, duas vezes por semana. Eles me dão um papel. Vou passar pela catraca, não funciona. Tenho de voltar atrás. Este é um pequeno exemplo pessoal. O fato é que no nosso mundo privado a burocracia se espalhou de maneira brutal”.

Esses sintomas contraditórios mostram que há grande espaço para se trabalhar a comunicação sobre o continuado declínio da burocracia nas sociedades em rede, como é o caso do Brasil, o quinto país do mundo no uso diário de celulares. “É o momento de as pessoas acreditarem mais na força da sociedade do que na regulação pública. Continuamos caindo no conto do vereador que está querendo defender o consumidor a pretexto de não sei o quê. Precisamos entender que acabou a era da regulação pública da vida cotidiana. A regulação tem de cuidar das grandes infraestruturas, do grande poder econômico, e não dos pequenos estabelecimentos. Que a sociedade deixe de se tutelar por órgãos do Estado, que cria um monte de confusão e depois não consegue desfazer as confusões que criou”.

BALANÇO E PERSPECTIVA DAS PEQUENAS E GRANDES CIDADES

Dois fenômenos ocorrem paralelamente nas cidades brasileiras. Na maioria das capitais, há o espraiamento urbano, levando populações a morar em periferias cada vez mais distantes, sobrecarregando o sistema viário, afetando as áreas verdes e os mananciais de água. Noticiou-se na Folha de S. Paulo de 3 de setembro que a expansão da área construída no extremo leste da capital paulista foi de 1.617% nos últimos 25 anos.

Enquanto isso, na base da pirâmide das cidades brasileiras, 33% dos municípios (isto é, 1872) não conseguem gerar receita para pagar o salário de prefeitos, vereadores e secretários, segundo levantamento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). O problema atinge as administrações que dependem de transferências do Estado e da União para bancar o crescente custo da máquina pública, sobretudo com pessoal.

“Em muitos municípios”, diz Luana Tavares, diretora executivo do Centro de Liderança Pública (CLP), “a arrecadação não cobre nem a folha de pagamento e o custo da Câmara Municipal”. Entre os anos de 1992 e 2013, foram criados 1.079 municípios, com um aumento de 20% sobre os 4,49 mil anteriormente existentes. Perguntada sobre se entre os congressistas do Parlamento nacional há cogitações sobre uma eventual redução do número atual de 5,57 mil municípios, ela respondeu que esse assunto sequer aparece nas discussões.

Na hipótese de se concentrar o planejamento urbano em municípios com mais de 100 mil habitantes (ou seja, em 310 cidades), estaria se equacionando os problemas de mais da metade da população brasileira (56,5% dos 117,2 milhões de habitantes, de acordo com estimativa do IBGE, em 2017). A estimativa do IBGE para a população brasileira, neste ano de 2019, é de 210,1 milhões de habitantes. O diagnóstico dos urbanistas é de que o ponto central a ser resolvido é o refreamento da expansão territorial das cidades.

Esta opinião é compartilhada pelo presidente do Insper, o economista Marcos Lisboa. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo de 17 de setembro de 2019, com o título de “São Paulo já foi moderna”, ele escreveu: ” A partir de 1957, o moderno foi interrompido por legislações que passaram a dificultar o adensamento urbano, segregaram a residência do comércio, oneraram a infraestrutura e induziram o uso do automóvel. As intervenções públicas equivocadas transformaram a cidade que namorou Manhattan em uma Los Angeles mais pobre e mais caótica”.

Enquanto nos pequenos municípios o problema restringe-se à falta de recursos suficientes para a manutenção de uma estrutura local de poder público, nas cidades com mais de 100 mil habitantes, onde residem 56,5% dos brasileiros, o impasse é de natureza técnica, ligada à aplicação de princípios urbanísticos hoje corriqueiros nas áreas mais desenvolvidas do mundo. O pano de fundo para o desinteresse da classe política na colocação em prática de um equacionamento de fácil resolução é o descolamento dos vereadores e gestores municipais em relação à sociedade.

O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, recomenda que se institua, para as eleições parlamentares das câmaras municipais, das assembleias legislativas e da Câmara Federal, o sistema do voto distrital. Ele discorre sobre como ficaria a representação da cidade do Rio de Janeiro na Câmara dos Deputados. “Imagine a cidade dividida em distritos. Botafogo seria um distrito. Cada partido apresentaria um candidato. E só haveria um deputado eleito pelo distrito Botafogo. Os partidos sairiam fortalecidos, e os moradores de Botafogo saberiam que é o representante deles dentro do Congresso Nacional”.

Enquanto o general Mourão defende a adoção do voto distrital puro, o ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), considera que a melhor opção seria o voto distrital misto, como afirmou à repórter da GloboNews, Andréia Sadi. “Eu defendo o voto distrital misto. O voto distrital misto é o do modelo alemão. O eleitor tem direito a dois votos. Metade da Câmara é eleita pelo voto distrital, e metade da Câmara é eleita pelo voto proporcional. O voto distrital é um voto majoritário, e o voto proporcional é um voto no partido”.

Prossegue ele: “As pessoas acham que (o voto no partido) é menos democrático. Mas é mais democrático. Na lista aberta aberta (como é hoje), você vota em quem quer, mas elege quem você nem conhece. Na lista fechada, você sabe. Se o partido fizer um, entra o primeiro da lista. Se fizer dois, entra o primeiro e o segundo. Então, você pode olhar a lista partidária e ver quem vai, se você votar naquele partido. Se você não gostar de alguém que não esteja no topo da lista, você não votará naquele partido. A lista fechada, portanto, não é um pouco mais democrática; é muito mais democrática para o eleitor. A gente tem de pensar o futuro, a gente tem que olhar o horizonte”.

O presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, é favorável à adoção do voto distrital misto, como uma forma de se baratear os custos da campanha e, sobretudo, aproximar os eleitores de seus representantes. Ele ilustra com o exemplo das eleições dos vereadores. Uma Câmara Municipal com 50 cadeiras, teria 25 cadeiras ocupadas pelos eleitos no voto distrital, e as outras 25 cadeiras destinadas aos eleitos pelo voto majoritário (dos candidatos constantes na lista do partido que o eleitor escolher). São, portanto, dois votos por eleitor: um endereçado àquele candidato da sua comunidade, e outro destinado ao candidato que estiver na lista do seu partido.

O voto majoritário é, por conseguinte, o da disputa distrital. E o voto proporcional é da lista partidária. Pelo distrito, elege-se um só candidato. Pelo proporcional, elegem-se os mais votados da disputa geral da cidade, que fazem parte das listas dos partidos. “Vamos seguramente nos lembrar bem pelo menos daquele candidato distrital que ajudamos a eleger”, diz Solmucci. Pesquisa do Datafolha, realizada em agosto de 2018, constatou que 79% dos eleitores não se lembram dos candidatos nos quais votaram, em 2014, para o Congresso Nacional. “Sem dúvida, o distrital misto ajuda a reduzir consideravelmente o divórcio que hoje existe entre os parlamentares e a sociedade”.

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