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Política nacional falha ao garantir que rejeitos sejam descartados em locais adequados, porém empresários de bares e restaurantes mostram boas práticas de gestão

Danilo Viegas

“Todo problema é uma oportunidade disfarçada”. A frase dita por Roberto Bretas, diretor da empresa Green Ambiental, reverberou entre os empresários presentes na palestra sobre gestão de resíduos, em que o especialista, ao lado de Paulo Mello, fundador da Ecozinha, apresentou durante o 30º Congresso Nacional Abrasel, em agosto. Ambos concordam que há um tripé social, econômico e ambiental que propicia ganhos tanto para empresários quanto para sociedade em geral. “Falta simplesmente uma conscientização”, completou.

Fato é que a preocupação com a gestão correta de resíduos tem se mostrado uma tendência que chama cada vez mais a atenção de empresários de bares e restaurantes. Essa atenção foi catapultada pela Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), lei de 2010 que propõe a adoção de hábitos de consumo sustentáveis. A PNRS procura organizar a forma como o lixo é tratado, exigindo dos setores públicos e privados transparência no gerenciamento de seus resíduos. O texto contém vários incentivos à reciclagem e à reutilização dos resíduos sólidos, bem como a destinação adequada dos dejetos.

Porém, depois de oito anos da aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos pelo governo brasileiro, o tema continua sendo negligenciado pelo poder público. De um lado, a ausência de um plano com medidas e metas claras a serem adotadas por estados e municípios. De outro, o descumprimento do prazo, vencido em 2014, para dar fim a lixões e garantir que rejeitos sejam descartados em locais ambientalmente adequados. A lei distribui a responsabilidade do problema entre os diferentes setores envolvidos. Aos governantes, cabe estabelecer planos, garantir a infraestrutura para disposição adequada dos resíduos, organizar e fiscalizar o cumprimento da lei.

Exemplos

Diversas cidades também possuem leis específicas que determinam que a responsabilidade do poder público em relação à gestão de resíduos tem um limite no volume; acima de determinada quantidade, quem produziu o resíduo passa a ser responsável pelo descarte correto.

Em São Paulo, em maio deste ano foi assinado um termo entre Secretaria de Meio Ambiente do estado, Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e Centro das Indústrias de São Paulo (CIESP), além de 18 Associações nacionais e Sindicatos estaduais de alimentos, bebidas, e brinquedos. O plano é a determinação que as indústrias fabricantes reaproveitem suas embalagens, reciclando ou reaproveitando o material. O objetivo imediato é a diminuição de resíduos em aterros. Consequentemente, isso gerará renda para os trabalhadores que separam material reciclável e para a própria indústria, que gastará menos matéria-prima. A esperança é que esta nova realidade possa gerar inovação e oportunidades já que muitas empresas, grandes e pequenas, estão promovendo mudanças.

Em abril, a gigante suíça de alimentos, Nestlé, disse que suas embalagens plásticas seriam 100% recicláveis ou reutilizáveis até 2025. A Coca-Cola, que utiliza cerca de 120 bilhões de garrafas por ano, lançou em janeiro sua campanha World Without Waste (Mundo Sem Desperdício), e se comprometeu a reciclar uma garrafa ou lata utilizada para cada nova vendida a partir de 2030. Para este ano, também prometeu aumentar em 50% a quantidade de conteúdo reciclado em garrafas plásticas. O McDonald’s disse que produzirá todas as suas embalagens a partir de fontes renováveis e recicláveis até 2025.

Empresários fazem a diferença

Para se ter uma ideia do tamanho do estrago, segundo a ONU, os humanos produziram cerca de 8,3 bilhões de toneladas de plástico desde a década de 1950 e a previsão é de que esta cifra aumente para cerca de 34 bilhões de toneladas em 2050. Estima-se que a produção de plástico cresça 40% na próxima década. Por isso é importante que cada um faça a sua parte. É o que pensa o empresário Raphael Bottura, proprietário das redes de restaurante Badebec e Babiló, em São Paulo. Atualmente ele separa sua gestão de resíduos em cinco itens: papelão, vidro, recicláveis, orgânicos e demais rejeitos. Bottura conta que com os resíduos orgânicos faz a compostagem no próprio estabelecimento, em um jardim no terraço, transformado em minhocário.

No Badebec, que por dia atende em média 450 clientes, toda a equipe pesa o resíduo orgânico antes de ser descartado. A média de descarte é 177 gramas por pessoa. “É uma forma de dar um feedback do trabalho que o colaborador está fazendo. Ele vê a economia ou o desperdício na palma da mão. É igual uma conta de luz, quando estamos sendo monitorados, tomamos mais cuidado”, diz Bottura, que implementou essa ‘cultura sustentável’ no estabelecimento há dois anos, após se interessar pela obra do economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen, um dos precursores da chamada economia ecológica. “A frente do negócio é lúdica, um mundo fantasioso para o cliente. Não podemos ser sustentáveis só da cozinha pra fora. É preciso enfrentar esse problema de frente”, resume.

Yone Ganzo Araujo, chef executiva e proprietária do Restaurante Central, em Florianópolis, é também uma estudiosa da gestão de resíduos. Em uma reflexão sobre a relação de empresários do setor de alimentação fora do lar e a sustentabilidade ambiental ela diz que, na prática, quando o administrador precisa definir os cuidados com os resíduos, a tendência é fazê-los ficar invisíveis. “Quer dizer, coloca-os nos contentores, disponibiliza-os para a coleta e esquece. Isso porque vivemos em uma cultura que considera todos os resíduos como lixo”, diz.

Os danos causados são enormes quando os resíduos orgânicos são destinados ao aterro sanitário: contaminação dos lençóis freáticos e geração de gás metano. “Considerando que o segmento de alimentação fora do lar é um dos maiores geradores de resíduos orgânicos, cabe aqui uma pausa para considerarmos nossas responsabilidades”, conta a empresária.

Para ela, sob o aspecto econômico, pode-se fazer duas abordagens. No pré-consumo, a meta é a redução da geração dos resíduos. Isto passa pela análise e escolha de tamanhos maiores para as embalagens, utilização de produtos a granel, escolha de materiais que podem ser reusados, opção pelos alimentos orgânicos que podem ser integralmente aproveitados e a padronização dos processos de produção com enfoque no máximo e melhor aproveitamento dos produtos.

O pós-consumo, segundo Yone, talvez seja a parte mais visível de todo o processo. Olhar de forma analítica e crítica os rejeitos gerados, observando suas quantidades e qualidades. “Isso oportuniza imediatamente a possibilidade de identificar os desperdícios. Possivelmente estarão lá talheres, embalagens ainda com produtos, alimentos íntegros que sofreram descuidos nos pré-preparos e muitas sobras que retornaram dos clientes”, enumera.

A empresária orienta quem empreende em bares e restaurantes a usar a criatividade para desenvolver receitas com o grande volume de folhas, cascas e talos, quando os alimentos forem orgânicos e, o mais importante, capacitar a equipe com incentivo a eficiência e recuperação de custos nos processos produtivos. De volta à palestra de Roberto Bretas e Paulo Mello, é importante que o empresário perceba que no que é classificado comumente como lixo, há ouro.

6 truques para uma gestão otimizada

O blog The Fork Manager, empresa do grupo TripAdvisor, que trabalha com softwares de gestão para bares e restaurantes, preparou uma lista de seis “truques” para a gestão de resíduos de bares e restaurantes. Confira!

1 - Analise os resíduos gerados pelo seu negócio
Para começar, é importante conhecer e analisar os desperdícios produzidos pelo bar/restaurante. É possível dividi-los em dois: resíduos de produção e sobras de clientes.

2 - Adapte o cardápio
Após a análise, é fundamental identificar os elementos do cardápio que produzem mais resíduos e perdas. Desta maneira, é possível reduzir a porção dos alimentos nos pratos em que os clientes sempre deixam sobras; eliminar pratos que não estejam diretamente produzindo lucros, não sejam populares entre os clientes, mas produzam detritos; alterar ou reduzir ingredientes que não agreguem valor aos pratos, mas produzem perdas; criar novas receitas com produtos que gerem mais rendimento.

3 - Otimize o estoque
Ajustar as compras às necessidades reais do negócio realizará uma gestão de estoque mais eficiente. Nesse sentido, o empresário pode reduzir o investimento em ingredientes pouco rentáveis e aumentar o investimento naqueles que os clientes mais consomem.

4 – Prepare a sua equipe de trabalho
Algo primordial é que toda a equipe do bar/restaurante compreenda a importância da separação e do tratamento dos resíduos. Todos devem saber a razão pela qual são realizadas essas ações, o impacto que produzem no negócio e a contribuição para o meio ambiente. Desta forma, será criado o compromisso necessário para realizá-las corretamente.

Além disso, o empresário deve garantir que sejam criadas regras de manejo dos alimentos e, especialmente, dos resíduos. Uma sugestão é criar manuais simples com os passos que devem fazer parte da gestão diária do estabelecimento.

5 – Recicle os detritos
Separe os detritos por grupos (orgânico, plástico, vidro, papel, madeira etc.) e por recipiente de depósito, de forma que possa criar estratégias para aproveitá-los fazendo um convênio com uma empresa local que se dedique à reciclagem e que os recolha diariamente, doando as sobras a bancos de alimentos ou até mesmo vendendo os detritos a empresas especializadas.

6 – Junte-se ao Trashcooking
O Trashcooking é uma tendência que ganhará força nas cozinhas dos restaurantes. Consiste em aproveitar os resíduos orgânicos e inclui-los nas receitas do restaurante. Dessa maneira, em vez de tornar resíduos produtos como entranhas, peles e sementes, o pessoal de cozinha pode usá-los como ingredientes de pratos criativos que produzam lucros.

Reportagem originalmente publicada na edição 122 da revista Bares & Restaurantes

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