Ministros seguem julgamento do Supremo referente ao negociado sobre legislado
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) passou a aceitar normas de acordos e convenções coletivas que limitam ou afastam direitos trabalhistas - o chamado negociado sobre o legislado -, mesmo sem haver contrapartidas claras. Mas não em todos os casos. Os ministros seguem o que foi fixado em julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em junho do ano passado.
O negociado sobre o legislado é um dos pilares da reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017). A decisão do STF, embora dada em processo anterior às mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é importante e sua aplicação pelo TST mostra como a tese está sendo interpretada pelos ministros da Corte.
No Supremo, os julgadores fizeram uma ressalva ao assegurar a validade de acordos ou convenções coletivas. O texto da tese aprovada afirma que são constitucionais “desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”. Há, desde a reforma, um rol taxativo do que não pode ser negociado no artigo 611-B da CLT - praticamente o que está garantido na Constituição. Já no artigo 611-A existem exemplos do que pode ser negociado.
Em um dos julgados, em outubro, a 4ª Turma do TST autorizou jornada de 12 x 36 (12 horas de trabalho por 36 horas de descanso) em ambiente insalubre. Em seu voto, a relatora, ministra Maria Cristina Peduzzi, afirma que, antes da decisão do STF, a jurisprudência do TST era de que regimes de compensação em condição insalubre, ainda que firmados por norma coletiva, exigiam autorização ministerial. O entendimento, acrescenta, era o de que o legislado deveria prevalecer sobre o negociado.
Porém, após o acórdão do STF, diz, seria possível reconhecer que “a jornada em regime de 12 x 36, ainda que em ambiente insalubre, não configura direito absolutamente indisponível, podendo ser negociado coletivamente, afastando a necessidade legal de autorização ministerial, sendo, inclusive, prática corriqueira e tradicional nos ambientes hospitalares” (RR-789-42.2018.5.23.0021).
A 8ª Turma, também em outubro, manteve condenação ao pagamento de adicional noturno na prorrogação de trabalho no horário diurno. O relator, ministro Alexandre Agra Belmonte, destaca em seu voto o julgamento do STF e cita a necessidade de se observar a norma coletiva (AIRR-10110-72.2021.5.03.0112).
Professor de Direito do Trabalho, Ricardo Calcini lembra que ainda não foi publicado o acórdão do STF, em que poderia haver alguma delimitação do que pode ou não ser negociado. Mas, acrescenta, devem prevalecer os exemplos citados na CLT. “Os direitos absolutamente indisponíveis estão no artigo 611-B, ainda que o STF não tenha feito referência expressa a esse ponto, já que a ação julgada é anterior à lei da reforma trabalhista ”, afirma.
Em outro julgamento, o ministro Alexandre Agra Belmonte, da 8ª Turma, aponta em que casos não pode prevalecer o negociado sobre o legislado. Naqueles em que houver “afronta a padrão civilizatório mínimo” assegurado constitucionalmente ao trabalhador. Nesses casos, acrescenta, será sempre prestigiada a autonomia da vontade coletiva consagrada na Constituição Federal.
Esse julgamento reconheceu a validade de norma coletiva que previu a natureza indenizatória de parcelas de prêmios, afastando a integração ao salário e a condenação ao pagamento dos reflexos decorrentes. O acórdão foi publicado no mês de outubro (RRAg-1772-89.2013.5.15.0069).
Segundo José Eymard Loguércio, sócio do LBS Advogados, que atua na defesa de trabalhadores, a tese do STF traz três elementos que, nos julgamentos, ainda poderão gerar algum tipo de discussão: o que são exatamente os “direitos absolutamente indisponíveis”, a necessidade de adequação setorial para a negociação e a explicitação de vantagem compensatória.
Os ministros, afirma o advogado, não determinaram que é indispensável haver vantagem para o trabalhador, mas sinalizaram que deveria existir.
Para ele, pela decisão do Supremo não se mantém a visão que surgiu a partir da reforma trabalhista de que qualquer acordo deveria prevalecer. “Não tem como evitar que os casos sejam levados ao Judiciário, que era um pouco a tese inicial, de dizer que é sempre constitucional”, diz o advogado, destacando que o STF colocou uma barreira. “Não é sempre constitucional. É preciso examinar o que restou daquela negociação.”
Loguércio afirma que a tese firmada pelo Supremo deve também servir de orientação para o momento do acordo. “Quem está negociando deve ficar atento para a validade do instrumento”, diz o advogado.
Ronaldo Tolentino, sócio do escritório Ferraz dos Passos Advocacia, destaca que a própria decisão do Supremo impôs alguns limites, indicando que não é qualquer direito que pode ser negociado, por causa dos “constitucionalmente garantidos”. “A jurisprudência vai acabar decidindo, porque a tese fixada não especifica e o acórdão ainda não foi publicado”, afirma.
Fonte: Valor