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Quase meio milhão de brasileiros vendem comida irregularmente nas ruas. Número de informais é maior que o de pessoas com carteira assinada

Por Danilo Viegas

Uma pesquisa do IBGE mostra que atualmente 37 milhões de brasileiros trabalham no mercado informal, isso corresponde a 40% de todos os trabalhadores do país. O número é maior que o de carteiras assinadas, que é de 33 milhões. Entre as atividades que crescem está a de comércio de quentinhas, marmitas e pratos feitos. Para ganhar a vida, quase meio milhão de brasileiros vendem comida nas ruas.

Segundo a pesquisa PNAD Contínua 2º Trimestre 2018 - IBGE, o número de pessoas que trabalham neste segmento informal aumentou seis vezes em quatro anos. Em 2015 eram pouco mais de 79 mil pessoas e, em 2018, são mais de 483 mil. Para Percival Maricato, advogado e presidente da Abrasel em São Paulo, a clandestinidade se mostra uma evidente ameaça ao setor de alimentação fora do lar. “Um tanto quanto parecido com a que vitimou táxis e hotéis pelo uso de aplicativos que ligam o consumidor direto ao fornecedor, sem precisar de sede física”.

Para ele, no caso de bares e restaurante, a atividade irregular deve ser devidamente confrontada. “É obviamente ilegal, pois a venda de alimentos, especialmente os preparados diretamente ao consumidor, exige locais determinados, fiscalizações sanitárias, do Ministério do Trabalho, Decon, Procon, entre outras tantas”, diz. “Ora, que condições têm os órgãos públicos de fiscalizar casas de família onde se preparam esses alimentos para consumidores? Já que não há pessoa jurídica, e se algo acontecer com o cliente, quem responde?”, prossegue.

Além da questão urgente de saúde pública, a concorrência desleal também é um dos fatores que prejudicam bares e restaurantes formais. Os negócios legalizados atendem a toda burocracia do poder público, emitem nota fiscal, pagam aluguel, impostos, tributos e funcionários, além de responder a uma série de leis, normas e portarias que regem o setor de alimentação fora do lar.

Ouvido pelo Fantástico, da TV Globo, em uma reportagem que abordou o assunto apenas sob a ótica do trabalhador informal, o coordenador de trabalho e rendimento do IBGE, Cimar Azevedo, disse que para resolver o problema da informalidade, alguns pontos são essenciais. São eles: melhorar as situações para o funcionamento dos pequenos negócios no Brasil; ter maior facilidade a crédito, melhores circunstâncias para pagamentos de impostos; ter um programa para melhorar a formação de capital humano, dar condições às pessoas que queiram se especializar, além de melhorar o cenário para quem quer investir na economia brasileira. “São muitos obstáculos para as pessoas que querem investir na economia e criar um negócio, empreender e expandir. A partir desses elementos é que vamos resolver de maneira sustentável o problema da informalidade no Brasil”, resumiu.
Em Brasília, um antigo empresário do setor de alimentação fora do lar preferiu fechar seu estabelecimento e partir para a ilegalidade. Hoje, ele vende marmitas a R$ 8 na Esplanada dos Ministérios, a poucos metros da entrada do prédio do Ministério da Justiça. Em entrevista ao Fantástico, ele disse que é melhor enfrentar a fiscalização do que ter uma oneração de impostos em sua folha de pagamentos.

Para Rodrigo Freire, presidente da Abrasel no Distrito Federal, casos como esse não devem ser romantizados. “Não é bem por aí, simplesmente sair fechando restaurante e vender marmita na rua, simplesmente não é correto. Dá forças para quem pratica o errado. Sabemos que é uma situação econômica bastante difícil para os brasileiros, que muitos não têm escolha a não ser entrar na informalidade, mas não podemos esquecer que o comércio irregular é vilão e traz uma série de riscos, tira emprego e renda de quem segue à risca todas as leis”, diz. No Distrito Federal, a Abrasel diz se reunirá com o poder público para coibir a prática de venda ilegal de comida e criar ações que facilitam o empreender para quem quer se regularizar.

História de terror

Quando voltou de uma temporada nos EUA, o empresário goiano Célio Moreira pesquisou diversas cidades turísticas brasileiras para abrir o seu próprio negócio. Foi no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza, Ceará, que em janeiro de 2000 ele abriu sua pizzaria, a Buoni Amici's Pizzeria. Em agosto de 2017, ele foi obrigado a fechar as portas devido à omissão do poder público para com o espaço, perceptível pelo gigantesco número de ambulantes que, literalmente, trabalhavam de maneira informal na calçada de seu estabelecimento.

Na época de inauguração da pizzaria, o centro cultural, um dos maiores do Brasil, não havia completado nem um ano de vida. Com 30 mil metros quadrados, o espaço é gerido pelo governo do Ceará e possui museus, planetário, teatro, salas de cinemas, biblioteca e espaços para shows. “Com o passar dos anos, o descaso do poder público aumentou e o local foi invadido pela informalidade”, relembra.

Feirantes, guardadores de carro e ambulantes “brotaram” por todos os lados. “Num sábado podia ter mais ambulantes nas ruas que clientes nas mesas dos bares e restaurantes. Muitas vezes o comércio ilegal tinha uma estrutura maior que a nossa”, diz Célio. Em frente a sua pizzaria, que chegou a ter 42 funcionários de carteira assinada, ambulantes promoviam até self-service na rua. “Eram carros que traziam geradores de energia, botijões de gás. Havia um comerciante que tinha seis caldeirões de 20 litros cada, só de molho. Uma coisa inacreditável”, diz.

Para se manter em dia com a legislação, a Buoni Amici's Pizzeria precisava de 11 alvarás de funcionamento. “Não eram raras as vezes em que os fiscais se entrelaçavam no meio dos ambulantes para fiscalizar somente os comércios formais, porque ali o poder público sabia que podia tirar um dinheiro em alguma brecha”. Ao fechar seu negócio, Célio empregava doze funcionários. Seis meses após entregar o ponto, ele agora atua somente via delivery, também com receio da violência urbana.

Em nota, a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) negou a informação passada por diversos empresários de bares e restaurantes da cidade de que a metodologia de fiscalização é totalmente arbitrária. A informação era que a Agefis pegava uma lista de CNPJ ativos da cidade. Quem não possui CNPJ, ou seja: é irregular, ficava ileso à fiscalização.
A Agefis diz que realiza rotineiramente a fiscalização do comércio em toda a cidade e que as operações são resultantes da busca ativa, de denúncias da população e das solicitações de outros órgãos, a exemplo do Ministério Público. O objetivo é ordenar e disciplinar a utilização dos espaços públicos, em cumprimento do Código de Obras e Posturas do Município.

A agência também afirma que a atividade comercial em áreas públicas depende da prévia autorização da Prefeitura Municipal de Fortaleza, por meio das Secretarias Regionais. Nesses casos, os fiscais da Agefis verificam se o comerciante possui a autorização e se está respeitando as condicionantes impostas pelo Município. Em caso de irregularidades, um auto de infração é lavrado e as mercadorias podem ser apreendidas. As multas para o comércio irregular em espaços públicos variam de R$ 83,35 a R$ 416,75.

O órgão ainda esclarece que estabelecimentos que não se encontram devidamente licenciados ou que descumprem as condicionantes das licenças já concedidas encontram-se em situação irregular e devem receber a visita da fiscalização para orientações, esclarecimentos e, quando necessário, lavratura de notificações ou autos de infração para a garantia da sua devida regularização e cumprimento das normas.

Em Natal, venda de espaço gera revolta entre empresários

Um anúncio na OLX, site de comércio online, gerou revolta entre os empresários de Natal, no Rio Grande do Norte. Por R$ 10 mil era possível “comprar” um terreno de 16 metros quadrados no canteiro central da avenida das Alagoas, região turística da cidade. Na descrição, o anunciante ainda dizia que o ponto era ideal para instalação de bancas de frutas, artigos de época ou pizzaria. Não era preciso pagar IPTU, tampouco seria necessário a escritura. De brinde, o vendedor entregaria o ponto limpo, com o meio fio pintado e “gato” para instalação elétrica.

A Abrasel no estado entrou com denúncia na Secretaria de Urbanismo da Prefeitura de Natal, que por sua vez disse estar ciente do caso. Em nota, o órgão afirmou que já tomou as medidas judiciais cabíveis contra o autor da publicação, solicitou a retirada do anúncio e afimou que a prefeitura de Natal aumentou o número de fiscalizações no local justamente para coibir o que chamou de “proliferação do comércio irregular”.

“Um cidadão se aproveita de maneira absolutamente inapropriada de um espaço público, que é extremamente bem localizado e praticamente nada acontece. Agora, se um empresário que paga impostos, gera empregos e renda pra cidade, sai da linha dois centímetros e coloca uma mesa na calçada quando o bar está cheio de clientes, o poder público vai logo ‘metendo a canetada’ no dia seguinte. Não dá pra entender”. A indignação é de Luiz Dantas Segundo, proprietário da churrascaria Tábua de Carne, aberta em 1992 e que gera 80 empregos diretos.

Seu negócio também é prejudicado pelo comércio ilegal. Perto de seu estabelecimento, uma casa de carnes irregular vende comida na rua. “Começaram com uma churrasqueira. Hoje tem oito e um frigorífico ambulante. A gente sabe que infelizmente no nosso setor, muitos começam na irregularidade e só quando crescem vão se formalizando. Mas está aí um exemplo de quem começou errado, cresceu e continua errado sem ser minimamente ‘incomodado’. Sinceramente, a gente se sente bobo. É desmotivador empreender com uma concorrência assim”, diz.

*Reportagem originalmente publcada na edição 124 da revista Bares & Restaurantes


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