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O sociólogo Richard Sennett tem razão. O Villlage não é mais aquele descrito por Jane Jacobs nos anos 1950/60. Ela via os habitantes do bairro nova-iorquino tão próximos uns dos outros que chegavam a ser quase fundidos entre si. Jane Jacobs era jornalista. A paixão que nutria pela cidade viva e pulsante converteu-a na autora do livro que se tornou referência para os urbanistas do mundo inteiro. A sua narrativa do Village é o sonho que qualquer gestor urbano, digno deste nome, quer realizar.

Do dinamarquês Jan Gehl ao colombiano Enrique Peñalosa, do espanhol Oriol Bohigas ao brasileiro Jaime Lerner, todas as estrelas do urbanismo mundial têm na cabeceira o canônico The Death and Life of Great American Cities ou Morte e Vida das Grandes Cidades, segundo a edição da Martins Fontes.

Jane Jacobs escreveu o que muitos até então podiam vagamente sentir e, portanto, não conseguiam exprimir. Ela trouxe à tona o inconsciente, o ego e o superego de um Village que sintetiza a escala humana, a cidade caminhável, a vigilância espontânea do olhar dos passantes. Cada um dos milhões dos bares, pelo mundo afora, deveria ter um pôster dela. Sim, essa jornalista e escritora situa os bares como estruturantes da cidade saudável, essenciais que são à civilidade urbana.

Mas, afinal de contas, qual é o senão de Richard Sennett à Village de hoje? Para ele, não há mais a simbiose humana propiciada por elos de convivência entre moradores de um mesmo bairro. “O individualismo moderno sedimentou o silêncio dos cidadãos da cidade. A rua, o café, os magazines, o trem, o ônibus e o metrô são lugares para se passar a vista, mais do que cenários destinados a conversações”. Sennett tem razão, mas em parte.

O Village ficou globalmente tão cosmopolita que seus bares e restaurantes perderam a tonalidade local. Hoje, há gente de todas as cores e nacionalidades morando ou passeando lá. Junto com o SoHo, é uma espécie de Paris incrustada na parte sul da ilha de Manhattan.

Cabe aqui abrir parênteses para mencionar a pesquisa realizada pela Universidade de Oxford sobre a função social dos pubs na Inglaterra e no Reino Unido, que foi tema de capa da Bares & Restaurantes. A pesquisa evidencia que os pubs das áreas centrais das cidades britânicas são impessoais. A clientela é constituída por silenciosos transeuntes. Já os pubs dos bairros são frequentados por “habitués”. Quer dizer, por conversadores. Os pubs dos bairros da Oxford de hoje, por exemplo, ainda têm muito a ver com os bares do Village de ontem.

Mesmo com o aludido silêncio dos cidadãos que se cruzam nas calçadas ou que se sentam nas banquetas dos longos balcões das choperias, Sennett encontra muito mais virtude nos ambientes repletos de gente silenciosa do que nos locais em que não há a coexistência de moradias e comércio de rua. Ainda que as pessoas não mantenham conversações entre si, o visual da mescla humana por si só é suficiente para fazer brotar e florescer, nos corações e mentes, o sentimento da tolerância mútua.

A cotidiana visualidade do ballet das calçadas, bem como a proximidade física entre os frequentadores de bares e restaurantes, é infinitamente melhor do que os congraçamentos episódicos, propiciados por viradas culturais ou por datadas manifestações cívicas. O cotidiano é insubstituível. As relações humanas e a tolerância coletiva não se tecem em circunstanciais celebrações coletivas, que produzem um brilho muito intenso, porém fugaz, como os relâmpagos.

Jane Jacobs é imortal. O dia a dia dos bares é que mantem acesa a civilidade urbana.

*Artigo publicado na revista Bares & Restaurantes em junho de 2011.

* Valério Fabis é jornalista da revista Bares & Restaurantes

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