Campanha "Seu prato ficou mais pesado no bolso", da Abrasel no Ceará, teve apoio de executivos da associação
O excesso de leis há muitos anos tem sufocado o empreendedorismo no país, especialmente o do setor de bares e restaurantes. É, como diz Rodolphe Trindade, presidente da Abrasel no Ceará, uma praga nacional, mas que incide com redobrada intensidade em Fortaleza. De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, nos 25 anos posteriores à promulgação da Constituição de 1988, foram editadas 4,7 milhões de normas legais e infralegais no Brasil, sendo 158 mil federais. A maior parte das novas leis vem dos deputados estaduais e, principalmente, dos vereadores.
A costumeira e incessante apresentação de projetos de lei é uma forma, como diz Trindade, de os vereadores darem a impressão de que estão trabalhando, tentando assim mostrar algum serviço. “De uma hora para outra, sem qualquer análise aprofundada sobre o assunto, o vereador inventa uma regulamentação sem pé nem cabeça, e, com sua assessoria, redige às pressas um projeto muito superficial, recolhendo assinaturas de seus colegas, que sequer leem o que está escrito ali. Não fazem audiência pública, não debatem o tema com as partes interessadas e, assim, repentinamente se institui uma nova exigência ao empreendedor, inteiramente descabida, frequentemente com impactos descabidos e insuportáveis às micro, pequenas, médias ou grandes empresas”.
Uma dessas “aberrações”, como relatou o presidente da Abrasel no Ceará, foi a majoração, em 2017, das taxas dos alvarás de licenciamento, em três mil cento e cinquenta por cento (3.150%) para os bares e restaurantes em geral. O estabelecimento de 500 metros quadrados, por exemplo, teve sua taxa de licenciamento aumentada de R$ 100 para R$ 3,25 mil. Os que têm área de 1.000 metros quadrados, que antes pagavam R$ 200, passaram a desembolsar R$ 6,5 mil. Da mesma maneira, a taxa do alvará sanitário foi majorada em 393%. A casa com 500 metros quadrados teve a taxa aumentada de R$ 220 para R$ 1.085. Para o imóvel de mil metros quadrados, saltou de R$ 200 para R$ 6,5 mil.
Ele diz que o prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT), é um bom gestor, tendo sido eleito com apoio dos 95% dos empreendedores dos bares e restaurantes. Mas, inexplicavelmente, acabou sancionando a lei. “Para quem tem uma casa de 2,5 mil metros quadrados, o alvará de licenciamento fica em R$ 15 mil. A lei foi sancionada em novembro de 2017. Esse processo de aprovação legislativa foi feito de forma empírica, sem estudo, sem audiência pública, sem que os vereadores tenham lido o texto, algo jogado no plenário e aprovado em uma semana. Isso não é novidade. É assim que funciona. Mas, diante desse absurdo total, do descomunal impacto das taxas dos alvarás, fizemos o maior rebuliço em Fortaleza, o que causou um grande mal-estar com o prefeito”.
O dirigente da Abrasel montou em várias frentes uma força tarefa de disseminação de notícias sobre o massacre dos negócios de todo o leque do setor, resultante da “estratosférica sobretaxação de alvarás sanitários e de funcionamento. “Depois, o prefeito e os vereadores voltaram atrás, diminuindo o teto, mas apenas até 769 metros quadrados. Ou seja, de 770 metros quadrados em diante continua pagando-se a mesma coisa. Com uma mentalidade tosca e caótica, Fortaleza, que é um paraíso turístico, está se tornado uma cidade triste, vazia de vida e de atrações. Em Salvador, ao contrário, o cálculo da taxa dos alvarás não é feito com base na dimensão física da empresa, mas no faturamento. Lá, o teto máximo para os dois alvarás (sanitário e de funcionamento) é de R$ 1.844 a todo tipo de empresa”.
Da Câmara Municipal jorram propostas de lei em cascata, como estas: a que impôs a obrigatoriedade de se ter, nos estabelecimentos, cadeira para obesos; a que proíbe panela de barro e colher de pau; a que impõe a compulsória discriminação das calorias de cada prato; a que obriga os restaurantes a disporem de cardápios especiais para pessoas sensíveis a glúten, causa esta abraçada por um vereador que atendeu ao pedido da Associação dos Celíacos de Fortaleza. Cada uma das recorrentes investidas dos “agentes parlamentares da insensatez”, como descreveu Rodolphe Trindade, consume a energia, o tempo e a paciência dos empreendedores representados pela Abrasel.
Indagado se essas ideias levianas e estabanadas têm alguma origem de natureza partidária, retrucou: “não, não tem origem em partido; tem origem na ignorância”. A única maneira de neutralizá-las de imediato é, conforme explanou, expor ao ridículo o autor ou os autores, de “tais maluquices”. É assim que praticamente funciona em caráter permanente uma central de vigilância, detectando a emergência das proposições delirantes para uma pronta ação na rede social e nos veículos de imprensa. “A gente não ataca as pessoas, mas as ideias irrefletidas e inconsequentes, informando sobre os efeitos descabidos e danosos daquelas iniciativas dos vereadores. Fazemos com muita civilidade, de um modo muito responsável e com conteúdo de alta credibilidade”.
Para colocar em prática essa ação de esclarecimento e mobilização pública, diz ter o respaldo da BrainCloud, a “empresa de propaganda e marketing, que atende, nacionalmente, a Abrasel”, uma vez que “a gente trabalha em uma estrutura muito enxuta, operando a série de serviços terceirizados, para nossos associados – por exemplo, o de advocacia, os contábeis e financeiros, de assessoria de imprensa, de orientação nutricional”. Ele destaca que, ao trabalho de propaganda e marketing, a BrainCloud acrescenta um terceiro vetor, “a inteligência”, dando uma configuração estratégica às operações de comunicação com a sociedade.
É um contrassenso, como argumentou, que os empreendedores tenham de dispender uma significativa parcela do seu tempo para se desmontar as armadilhas instaladas por parlamentares, cuja missão deveria ser intrinsecamente a de se criar um ambiente favorável à geração de emprego, renda e de qualidade de vida para toda a população. “Os políticos se tornam burocratas irresponsáveis, que nos forçam a ficar diariamente entregues a assuntos de natureza burocrática, ao invés de administrarmos nossos negócios. Esta é uma das razões porque o Brasil tem níveis de produtividade mundialmente tão baixos. A gente fica a serviço da estupidez criada pelos políticos. Não temos que ter mais medo de político. Ele tem de ser exposto, sim, quando faz uma besteira. Tem que ser exposto, também, quando faz uma coisa boa, que serve de exemplo. Não há mais essa coisa de autoridade. As pessoas valem pelos seus atos. A autoridade somos todos nós”.
Rodolphe cita outros episódios de legislações que não cabem na realidade, nem a de Fortaleza, nem a de cidades como São Paulo, ou de qualquer país. Vigora na capital cearense a obrigatoriedade de que os estabelecimentos com mais de 500 metros quadrados tenham de oferecer espaço de garagem a seus frequentadores. Ele considera a exigência como a negação do projeto urbanístico de Fortaleza, que tem como um dos principais objetivos a redução do transporte motorizado individual, em favor do transporte coletivo.
A cidade é hoje reconhecida por suas inovadoras iniciativas de expansão da rede cicloviária, liberação das faixas exclusivas de ônibus ao trânsito dos táxis, para que o transporte solidário flua com mais rapidez, fomento ao uso do carro elétrico, e, também, por colocar em prática um plano de desenvolvimento urbano privilegiando a proximidade entre moradia, trabalho, lazer, locais de estudo e de cuidados à saúde. “A maior oferta de garagem induz ao uso do automóvel, na contramão do que se almeja com o plano urbanístico da cidade”, alinhado com as políticas hoje adotadas nas mais turísticas cidades globais, como Nova York, Paris, Roma, Vancouver, Barcelona”.
Ele considera que, para conectar a classe política às reais demandas da sociedade, é urgente que se institua o voto distrital misto, aproximando o eleitor do seu representante. “O que há, hoje, é um divórcio total”. Rodolphe Trindade diz que nasceu na França, tendo sua família mudado para o Brasil quando estava com 12 anos de idade. “Lá, o voto distrital não é misto; é total. Inteiramente distrital. Uma vez implantado aqui, pelo menos o distrital misto, os políticos serão mais familiarizados com as reais necessidades comunitárias. Mas, enquanto isso não acontece, o que fazer? Temos que realizar esse interminável trabalho de comunicação, expondo ao ridículo o que é ridículo”.
Fonte: Revista Bares & Restaurantes, edição 123. .
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