Muitos estabelecimentos ainda não estão prontos para receber pessoas trans e, por isso, passam por uma capacitação com foco em diversidade e inclusão que pode até ser feita por uma consultoria
Quando Fernando Aquino, 25, foi fazer a entrevista de emprego para garçom no Blue Note, filial de um famoso clube de jazz americano que fica no Conjunto Nacional, em São Paulo, ele ainda tinha traços femininos. Depois de contratado, Fernando, que passava pelo processo de transição, foi questionado por um colega ao usar o vestiário masculino. “Também fui chamado de ‘ela’ algumas vezes. Como isso aconteceu no começo, fiz uma apresentação para a equipe, dizendo como gostaria de ser chamado. Foi bem tranquilo”, explica ele.
“Ainda é reduzido o número de trans lidando com o público. A sociedade está assimilando esse profissional”, diz Keila Simpson, 54, presidente da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Não à toa, para Márcia Rocha, do Transempregos, um dos setores que mais contrata trans é o de telemarketing, porque não há contato visual com cliente. “Ainda é preciso lidar com uma imagem de hiperssexualidade da pessoa trans”, afirma ela, que está à frente do projeto de empregabilidade para transgêneros.
Muitos estabelecimentos ainda não estão prontos para receber pessoas trans e, por isso, passam por uma capacitação com foco em diversidade e inclusão —que pode até ser feita por uma consultoria. Além de ser responsável pela curadoria musical do grupo Vegas (que inclui Bar dos Arcos e Blue Note), Junior Carvalho, 28, também responde pela frente de empregabilidade da Casa 1, centro de cultura e
de acolhida LGBT.
Segundo Carvalho, a formação que o centro faz com empresas parceiras reforça a importância de questões como respeito ao nome social no crachá e na carteira do convênio médico, além, é claro, do uso do pronome adequado para cada caso. O relacionamento com clientes e a equipe é outro ponto que passa pela conversa. “Muitos estão tendo o primeiro contato com uma pessoa trans. Mas, com a convivência, você naturaliza esse processo e perde o preconceito”, diz.
Enquanto trabalhou como hostess no Fitó, restaurante de cozinha brasileira em Pinheiros, São Paulo, a piauiense Morena Caymmi Girão Santiago das Neves, 28, conheceu pessoas que nunca haviam cumprimentado uma mulher trans. “Não sabe me dizer ‘oi’ porque não faz parte da sua realidade, não é uma falta de educação. Mas está aqui o meu papel: eu existo, e não há diferença entre nós. Somos humanos, podemos ter um diálogo”, diz ela, que depois de cinco meses foi promovida a coordenadora de marketing e eventos.
Morena, também fotógrafa, afirma que iniciativas de acesso a vagas de empregos são importantes. “A gente alimenta na cabeça da pessoa que ela não existe, e ela se priva de procurar a oportunidade porque não quer levar ‘não’”, diz. Para ajudar nisso, a iniciativa Cozinha e Voz, voltada a grupos em situação de exclusão, inclui poesia no programa, além das aulas para formação de assistente de cozinha coordenadas por Paola Carosella, à frente do restaurante Arturito e jurada do MasterChef. “É importante fortalecer a linguagem, que se torna uma ferramenta importante para lidar com a discriminação”, diz Thais Faria, 43, coordenadora do projeto, realizado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e pelo Ministério Público do Trabalho.
Susi Nogueira, 33, participou de uma das cinco turmas do Cozinha e Voz que foram voltadas ao público trans em São Paulo. Hoje, ela trabalha no bar Cama de Gato, na região central, dentro da cozinha. “Tinha dúvida sobre qual área de trabalho teria mais preconceito. Na cozinha, que é justamente o que eu queria, me abraçaram mais”, diz. O dono, Bruno Bocchese, 36, prioriza contratações de quem tem “historicamente mais dificuldade em se colocar no mercado”. De acordo com ele, Susi, que tem no currículo cursos de panificação, cozinha e confeitaria, não conseguia vagas por discriminação.
Fonte: Folha de S.Paulo