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Por Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel

Os gestores e a clientela dos bares e restaurantes de diversas partes do país ficaram chocados com um comercial do Itaú, postado no YouTube e Instagram. No vídeo, mostrava-se a sequência de garçons chamados por um casal recém-acomodado em uma das mesas do restaurante. Cada um dos garçons, que atendia ao aceno do casal, dizia ao par de clientes que aquele tipo de pedido estava a cargo de outro garçom. O recado do filme: no Itaú, é diferente; todos estão prontos para atender todos os pedidos.

Assim que, nas redes sociais, generalizou-se o repúdio ao filme publicitário, logo recebi a ligação telefônica da direção de marketing do Itaú. Como presidente da Abrasel e porta-voz do setor, ouvi o reconhecimento do erro. Do diretor do banco ouvi, também, as manifestações de solidariedade a um dos segmentos mais castigados pela pandemia. Expus-lhe, então, as vicissitudes pelas quais temos passado desde fevereiro de 2020. Fui muito bem atendido e compreendido.

Pois, no dia seguinte (4 de junho) àquela conversa, noticiou-se que o banco havia retirado a campanha das mídias sociais. E mais. Quatro dias depois (8 de junho), o Itaú manifestou-se institucionalmente, veiculando nos jornais a mensagem intitulada “Bares e restaurantes: nosso pedido de desculpas”. Ficou evidenciado que, na verdade, ocorreu um baita escorregão interno. Mas, de forma transparente e sincera, admitiu-se o erro, sem que o banco se colocasse na defensiva.

Este infeliz episódio acabou lançando uma luz diferente sobre um dos graves passivos nacionais, que é o da baixa percepção de nossa sociedade quanto aos valores propiciados pelos bares e restaurantes. Ou seja: aí situamo-nos na contramão do que ocorre nas nações mais desenvolvidas. Prova disso é que, em 77 países, conforme diagnosticou o Banco Mundial, os governos oficializaram recursos a fundo perdido a empresas (destacando-se os bares e restaurantes) que estavam sendo levadas à falência pela pandemia e pelos fechamentos obrigatórios (lockdowns).

A retratação institucional do Itaú representa um valioso e pedagógico reconhecimento quanto ao papel dos bares e restaurantes para a formação do capital social brasileiro. Na mensagem veiculada pelo banco, mencionou-se a função do nosso setor em favor da coesão comunitária. Eis um trecho da mensagem do Itaú: “É nos restaurantes e nos bares que fazemos novas amizades, reforçamos vínculos, nos encontramos com os outros e com nós mesmos, criando lembranças que nos acompanham pela vida”.

É preciso, a propósito, que se ressaltem alguns dos muitos outros impactos sociais positivos advindos do setor da alimentação fora do lar. Os estabelecimentos do setor representam o principal fator de segurança pública. Quando o comércio encerra o expediente, no início da noite, os bares, lanchonetes, cafés, bistrôs e restaurantes permanecem abertos. São eles os maiores ativadores da vida urbana. A principal vigilância de uma cidade naturalmente vem do olhar dos passantes. Os marginais preferem atuar em ruas desérticas.

Os bares e restaurantes constituem-se, também, nos maiores geradores do primeiro emprego, especialmente aos jovens de baixa renda, que se defrontam com enorme dificuldade de encontrarem vagas no mercado de trabalho. Seja atuando como auxiliares de cozinha, no salão de atendimento ou revezando-se em diferentes áreas do negócio, pouco a pouco absorvem amplo leque de conhecimentos e atitudes, desde a boa apresentação pessoal, a cortesia, o trabalho em equipe, o senso de hierarquia, o crescente uso dos meios eletrônicos digitais, as noções básicas de gerenciamento.

Em todo o mundo — e sobretudo nos países em que o setor da alimentação fora do lar mais se desenvolveu — é comum os jovens conciliarem o estudo com trabalhos temporários em um quiosque ou em uma cafeteria. A legalização do contrato de trabalho intermitente estendeu aos estudantes brasileiros a possibilidade de combinar o emprego com as atividades escolares. E mais: bares e restaurantes são um viveiro de empreendedores. Frequentemente, sabe-se de um funcionário do atendimento no salão que resolveu montar o seu pequeno self-service ou um trailer para a venda de sanduíches.

Sobretudo nestes tempos de crescente individualismo, os bares e restaurantes propiciam as interações entre pessoas de diferentes profissões, origens socioeconômicas, preferências políticas ou partidárias, ampliando-se os relacionamentos e os horizontes da democrática arte cívica da conversa.

Fonte: Correio Braziliense

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