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Por Valério Fabris

O debate se faz necessário, inclusive para aqueles que trabalham com aplicativos

Aeroporto de Salvador (Deputado Luís Eduardo Magalhães), administrado pela operadora portuária francesa Vinci Airports.

“A minha avaliação é a de que o futuro da relação de trabalho será 90% por aplicativos”, diz José Márcio Camargo, professor do departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), doutor em Economia pelo Massachusetts Institute of Techonology (MIT).

Ele pergunta e responde a si mesmo: “Por quê? Porque o trabalho por aplicativo faz uma coisa que é extremamente difícil no mercado, que é juntar oferta e procura por trabalho no mesmo instrumento”.

Por meio de um celular (Android, iPhone/IOS e outros dispositivos digitais inteligentes) pode se realizar – em questão de segundos - o encontro da oferta com a procura, e vice-versa.

Esses dispositivos já são muito usados para se alugar o imóvel das viagens e das férias (Airbnb), para comprar roupas usadas (Enjoei), encontrar pessoas que possam hospedar o cachorro (DogHero), alugar objetos (bicicleta, prancha de surf, equipamento de esqui). E para se contratar algum trabalhador por conta própria, seja ele pedreiro, marceneiro, encanador, eletricista.

A pessoa que resolveu disponibilizar esses produtos ao mercado pode estar legalmente protegida pelo Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). Os aplicativos resolvem, como descreve José Márcio Camargo, a relação entre quem está procurando produtos e/ou serviços, e quem os está demandando.

Essa mesma equação vale para o aplicativo Uber, da empresa multinacional sediada em São Francisco, na Califórnia, que é uma prestadora de serviços eletrônicos na área de transporte privado urbano. A empresa oferece seus serviços aos motoristas, que querem atuar de forma semelhante a um taxista.

O economista e professor da PUC-RJ diz que não há uma relação de trabalho entre a prestadora de serviços eletrônicos Uber e o utilizador desses serviços. Há, simplesmente, uma intermediação. “Não existe uma relação de trabalho por parte de quem faz a intermediação”, reitera ele ao citar o caso da Uber e do proprietário do carro/motorista que utiliza o aplicativo da multinacional californiana.

Da mesma maneira, acrescentou, não há relação de trabalho entre os que utilizam a prestação de serviços do Sistema Nacional de Emprego (SINE), e conseguiram se empregar, e esse organismo federal. O SINE é hoje subordinado ao Ministério da Economia. Anteriormente, alojava-se no organograma do Ministério do Trabalho.

O SINE de algum modo está apenas fazendo a conexão entre as pessoas que procuram emprego em diferentes funções e os eventuais ofertadores, ao mercado, das vagas dessas mesmas funções. Algo análogo ocorre com a plataforma Uber e o motorista que a utiliza. Ou seja: não há vínculo empregatício.

Escreveu o articulista do Estadão, Pedro Doria, a propósito da Consolidação das Leis do Trabalho: “A CLT caminha a passos largos de se tornar obsoleta, e não por maldade da direita, como gostaria a esquerda. Mas porque é um registro dos anos 1930 e 40 e responde a problemas e circunstâncias que não mais existem”.

No mesmo texto, o articulista do Estadão (que também é colunista de O Globo e da rádio CBN), faz um contraponto entre as eras industrial e digital. “A Era Industrial está acabando. É por isso que inúmeras empresas estão sofrendo crises internas pelo processo de transformação digital. Automatizam processo, cortam funcionários a rodo, e tentam sobreviver enquanto reinventam modelos de negócios. Muitas destas empresas vão quebrar. Outras sobreviverão menores”.

No parágrafo seguinte, Pedro Doria faz o contraponto: “A Era Digital está nascendo. Muita gente tem por volta dos 40, 50 anos, e um conjunto de habilidades que se tornou desnecessária. Inclusive gente que vive solidamente na classe média. Suas profissões ou deixarão de existir ou exigirão um conjunto completamente distinto de habilidades. Vários vão se reciclar e começar novas carreiras. É duro, mas é o jeito. Outros não vão conseguir. Os próximos dez a vinte anos serão duros”.

Assim como foram criados os contratos de trabalho intermitente e o de tempo parcial, pode-se encontrar uma solução equivalente para os trabalhadores por conta própria, entre os quais se situam os motoristas que utilizam o aplicativo do Uber.

“A gente criou o trabalho intermitente e o do tempo parcial. Pegando-se, desde a criação (em 2017) até hoje (19 de abril de 2022), isso corresponde a 9% do total do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Ou seja: não é nada não é nada, são nove por cento a mais de empregos criados no período, com cerca de 380 mil empregos por conta desses dois contratos”, disse Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV).

Ele acrescentou: “O que gera emprego é crescimento econômico. O que a legislação trabalhista pode fazer é reduzir algum custo do trabalho, assim favorecendo a formalização. Ainda existe um diferencial muito grande, em custos, entre o emprego formal e o informal. E isso tem implicação com a informalidade no Brasil, que é muito alta”.

Outro fator, além do trabalho intermitente e do contrato de trabalho a tempo parcial, que favoreceu a formalidade foi o avanço legislativo na terceirização, que antes só permitia a terceirização da atividade-meio, sem conseguir qualificar o que significam atividade-meio e atividade-fim. Depois de se desembaraçar esse até então inextricável nó, a terceirização deslanchou.

Comentou o professor do IBRE/FVG: “A legislação anterior era, mais uma vez, obsoleta. O conceito de empresa mudou ao longo do tempo. Vamos pegar o exemplo da Airbus, que monta um avião com cada pedaço construído em um país diferente. O que hoje existe no mundo são cadeias globais de valor. Isso tornou simplesmente ultrapassada uma legislação que fala em atividade-meio e atividade-fim. Nesse sentido, a terceirização é mais um pilar fundamental da reforma trabalhista que foi feita”.

Quando o Brasil começa a ingressar na era contemporânea das relações de trabalho, abrem-se as portas para as antes inalcançáveis oportunidades de emprego e renda.

Prosseguiu Fernando Barbosa Filho: “Inclusive, desde a pandemia, um tipo de emprego que passou a crescer significativamente no Brasil tem sido é do por conta própria, com CNPJ. É a chamada pejotização, que, em muitos casos, vem com uma conotação pejorativa, expressão essa que eu evito”.

Com a criação (e, portanto, flexibilização) de novos contratos de trabalho (os contratos ‘intermitente’, a ‘tempo parcial’, e o da terceirização, aí sem a distinção da atividades-meio e da atividade-fim), começaram a se abrir as portas da formalização dos informais.

A seu ver, de imediato precisa ser ampliada a abrangência da proteção social a todo o espectro dos trabalhadores por conta própria. Incluem-se nessa qualificação os trabalhadores dos aplicativos de mobilidade urbana (o Uber, e seus concorrentes, entre eles Cabify, 2.99, e Lyft). O professor Fernando Barbosa Filho entende se trata de ação que deve de responsabilidade dos representantes da sociedade, os deputados e senadores do Congresso Nacional.

Seguindo-se a trilha já aberta pelos inovadores contratos ‘intermitente’ e o de ‘tempo parcial’ (além do exemplo vindo da figura jurídica do microempreendedor individual, o MEI), ele acha que se encurtará o caminho com vistas a se solucionar a questão dos trabalhadores por conta própria, incluindo os relacionados ao Uber e similares.

Considerando-se que o MEI dá direito à Previdência, especificamente nas circunstâncias de auxílio-doença e direito à aposentadoria por invalidez, resta a clara definição (sobre a qual ainda há controvérsias) de que daria direito ao auxílio-acidente.

Embora considere que este tema deve ser debatido e decidido nas esferas da Câmara Federal e do Senado, o professor do IBRE/FGV de antemão sugere que a solução poderia ser a de se ampliar o teto da alíquota de participação no MEI para que, assim, se amplie o benefício de proteção social.

“Ainda não se teve coragem de tocar na vaca sagrada da legislação trabalhista, que são os direitos que atendem somente 40% da população empregada no país, e que talvez deva ser agora discutida”.

Noticiou o jornal Valor: “O número de trabalhadores informais, no país, ficou em 39,145 milhões no terceiro trimestre, segundo a Pesquisa por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), divulgada nesta quintafeira (27 de outubro de 2022) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).”

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