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Contratar pessoas com deficiência (PcD) de forma acolhedora e responsável é mais que um ato de cidadania, é um ato de transformação social

Por Flávia Madureira

Da esquerda para a direita: Thamiris do Nascimento, Silvana de Oliveira (idealizadora do Gastrô for All), Ana Luiza Furtado, Natan Rosa Gil, Raphael Lima e Débora Cabral (idealizadora)

No Brasil, pelo menos 45 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência, o que corresponde a cerca de 24% da população do país, segundo dados do IBGE. Mesmo que este número seja muito significativo, apenas uma pequena parcela dentre esse grupo está inserida no mercado de trabalho.

Quando se trata do setor de alimentação fora do lar, são mais de 3 milhões de empregos gerados atualmente, segundo dados emitidos pela Abrasel. Por ser tão rico em possibilidades, ele é um grande indicado para absorver profissionais que possuam deficiência.

Quem se enquadra nessa definição?

Legalmente, é considerada pessoa com deficiência (PcD) aquela que tem impedimentos de longo prazo (pelo menos 2 anos) de natureza física, mental, intelectual ou sensorial e cujos impedimentos podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.

Ainda em âmbito legal, a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é um direito. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) estabelece que as empresas reservem um percentual de suas vagas para este público e também prevê que elas garantam condições acessíveis de trabalho e capacitação profissional para esses trabalhadores.

No entanto, a inclusão no mercado vai além do cumprimento da lei. Trata-se de uma questão de direitos humanos e responsabilidade social, que impacta diretamente na qualidade de vida das PcD e na sua integração com a sociedade. Oferecer oportunidades de trabalho para pessoas com deficiência também contribui para a redução do preconceito e da exclusão social.

É com esse propósito que projetos como o Empreendown se desenvolvem. Organizado por Humberto de Freitas Filho, diretor executivo da Abrasel na União do Oeste (MG), ele tem como objetivo promover a inclusão por meio da capacitação de pessoas com síndrome de Down no contexto dos bares e restaurantes.

Humberto explica que a contratação de trabalhadores com deficiência não deve ser tratada como um fator de ansiedade, e que apesar de requerer uma adequação por parte do estabelecimento e da equipe, também traz retornos para o ecossistema do negócio. Os próprios clientes têm a percepção de agir de forma mais respeitosa e paciente, e isso impacta o ambiente como um todo.

Além disso, existe o ponto da receptividade. “A pessoa com síndrome de Down tem uma afetividade aguçada e transmite isso no seu trabalho. Os clientes são recebidos de forma muito aberta e simpática”, afirma.

Quanto a possíveis receios por parte dos empregadores, Humberto assegura que o treinamento e a qualificação são capazes de preparar o funcionário para exercer sua função da melhor maneira possível.

Após a decisão da contratação, ele sugere que o empresário entre em contato com associações locais que oferecem apoio a pessoas com deficiência para buscar informação e garantir que o processo de inserção na equipe ocorra com facilidade.

Afinal, contratação não elimina a invisibilidade: é preciso haver integração de verdade, com um olhar diferenciado e empatia por parte da equipe.

Outro projeto social com o mesmo intuito é o Gastrô for All, criado em 2017 pelas psicólogas Débora Araújo Cabral e Silvana Oliveira. A partir da experiência de vida de ambas, Débora como chef e Silvana sendo tia de um jovem com síndrome de Down, nasceu a ideia de oferecer treinamento a pessoas com deficiência para atuarem no setor de alimentação fora do lar.

O projeto é focado em jovens a partir de 16 anos de idade com deficiência intelectual, e na capacitação voltada para o mercado de trabalho. Os alunos recrutados, que em geral apresentam dificuldades motoras ou na fala, podem optar pela formação como garçom, bartender, ajudante de cozinha ou consultor gastronômico.

Em todas as capacitações oferecidas, o diferencial está atrelado à qualidade e na realização de intervenções baseadas em demandas que se apresentam. Por exemplo, tratando-se de uma dificuldade motora, há uma etapa no processo de capacitação na qual o aluno tem apoio de fisioterapeutas parceiros para aprender a equilibrar e sustentar uma bandeja.

As parcerias também ocorrem na concessão de espaços para realização dos cursos, oferecidos por hotéis e bares, e permitem que o curso seja oferecido sem custos aos alunos. O Gastrô for All arrecada os demais recursos por meio da venda de mel, proveniente da fazenda de uma das idealizadoras do projeto.

Após o processo de qualificação dos profissionais, seguindo o momento da contratação, ainda existem desafios. Não são raros os casos em que o empregador tem em mente apenas o interesse de usar a contratação como uma estratégia de marketing ou para cumprir cotas - o que não o leva a adaptar o espaço e treinar a equipe para receber um funcionário ou funcionária PcD.

Marilene Lima, tesoureira do Gastrô, reitera essa crítica: “a inclusão é muito mais do que dar um cargo, está para além da oportunidade”. Gerar acolhimento e tratar com respeito são atos fundamentais no processo de receber um funcionário com deficiência.

Marilene, que é mãe de Raphael, jovem adulto de 29 anos com síndrome de Down, fala sobre a experiência do filho em sua vida profissional. Segundo ela, a deficiência costuma ser vista acima de todos os outros aspectos, e a limitação muitas vezes é mais forte na cabeça das pessoas do que na realidade de fato.

Marilene defende a ocupação desse espaço e fala sobre a igualdade de direitos. Ela, que sempre apoiou o filho em sua vontade de trabalhar, chegou a assinar um contrato de aprendiz em uma empresa, junto com ele, para acompanhá-lo.

Raphael, que foi um dos primeiros alunos do Gastrô for All, atualmente é garçom em uma unidade do Bob’s. Além da importância da acessibilidade, ela afirma: “não se faz inclusão sem sensibilidade”.

Uma embaixadora do sonho do filho, Marilene critica a falta de segurança e o desrespeito pelos quais, muitas vezes, ele é atormentado. Ela aponta esses fatores como obstáculos para a integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

A falta de acessibilidade também é responsável por minar as oportunidades de desenvolvimento de competências por parte dos trabalhadores com deficiência. Por esse motivo, mesmo que passe a haver mais incentivo à participação no mercado, ainda é necessário implementar adaptações físicas, metodológicas e atitudinais nos empreendimentos que visam recebê-los.

Ao serem inseridos em um ambiente de trabalho inclusivo e em conformidade com suas necessidades, eles têm a chance de desenvolver habilidades profissionais específicas que podem ser aplicadas em diferentes contextos dentro da realidade de bares e restaurantes.

A inclusão de pessoas com deficiência no setor de alimentação fora do lar traz benefícios para a sociedade como um todo. Ao oferecer oportunidades de trabalho, as empresas contribuem para a redução da exclusão social e da desigualdade.

Além disso, a presença de PcD na equipe de estabelecimentos comerciais pode ajudar a promover a conscientização e o respeito pela diversidade. Dessa forma, cria-se um ambiente saudável e seguro para todos.

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