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“Sessenta por cento dos moradores afirmam que não querem sair das favelas; querem, sim, melhorar de vida dentro das favelas”, disse Renato Meirelles, fundador do Instituto Locomotiva e do Data Favela

Os urbanistas dizem que as cidades ideais são aquelas que têm alta densidade (com mais moradores por quilômetro quadrado), mistura de usos (moradia, comércio, escola, igreja, e serviços gerais, como salões de beleza e lojas de consertos).

Essas cidades acabam induzindo ao baixo uso dos automóveis. São propícias à fruição dos espaços públicos e, por conseguinte, ao entrelaçado convívio comunitário. Nelas é intensa a mobilidade ativa, isto é, a pé ou de bicicleta. Pois as favelas se encaixam nestes aí citados requisitos da cidade ideal, sob o ponto de vista da ciência urbana. Geralmente foram incrustadas nos morros, enfronhadas na cidade formal.

Portanto, de modo muito prático, situam-se próximas aos múltiplos locais de trabalho. A primeira favela do Brasil existe até hoje, na área portuária do Rio. Segundo vários historiadores, foi a do Morro da Providência. Surgiu nove anos depois da abolição da escravatura.

Atualmente há no país 13.151 favelas, segundo o Data Favela. São habitadas por 17,3 milhões de moradores. Embora contenham vários dos pré-requisitos que os arquitetos consideram essenciais ao ideal da escala humana, nelas dramaticamente falta a infraestrutura básica, a que atenda às necessidades cotidianas de suas populações.

Assim sintetizou, em uma de suas entrevistas à imprensa, o fundador do Instituto Locomotiva e do Data Favela, Renato Meirelles: “Os governos brasileiros de todas as esferas seriam reprovados na nota referente a se fazer os serviços públicos chegarem à favela”. Constatou-se em pesquisas do Data Favela a insatisfação dos moradores em relação aos serviços de coleta de lixo, iluminação, segurança, saneamento básico, atendimento à saúde e transporte público.

Meirelles conclui que “as favelas são a concentração geográfica da desigualdade no nosso país”. Mas, ele mesmo ressalva, com base nos seus levantamentos, que “sessenta por cento dos moradores afirmam que não querem sair das favelas; querem, sim, melhorar de vida dentro das favelas”. É de se supor que essa ligação afetiva com o território em que moram se deva aos laços comunitários propiciados pelo compartilhamento do convívio diário e da permanente superação coletiva das dificuldades do dia a dia.

Celso Athayde, idealizador da Central Única das Favelas (CUFA) e CEO do Favela Holding, costuma dizer que se há comida na casa de um morador, o vizinho jamais passará fome. Permanentemente, os laços sociais são estreitados como consequência dos vários atributos contidos na cidade mesclada na diversidade de usos mundialmente recomendada pelos arquitetos/urbanistas.

Em linha com a aspiração dos 60% dos moradores de viverem nas favelas para todo o sempre, 76% da população economicamente ativa, conforme identificou o Data Favela, tinham, têm ou querem ter seu próprio negócio. Os que já têm negócios correspondem a 41% desse universo. “A favela, historicamente, foi estigmatizada pelo asfalto e pela falta de políticas públicas. Mas o que vimos é que, em vez de lamentar, os moradores das favelas estão empreendendo, estão chamando para si a responsabilidade de suas vidas”, afirmou Meirelles à revista Veja.

Celso Athayde, por sua vez, assegura que que a favela não está “nem um pouco” preocupada se os governantes são da esquerda ou da direita. As pessoas querem, como acrescentou, ‘um Estado que funcione para elas; seja o Estado máximo ou o Estado mínimo”. Isso significa prover esses territórios com a mais completa infraestrutura básica, equivalente à existente nas áreas da cidade habitada pelos de maior renda.

Atendida a condição ‘sine qua non’ da infraestrutura básica (e com a orientação solidária de pessoas que já dominam a prática das diferentes vertentes do empreendedorismo, sobretudo no setor de comércio e serviços), se realizará o sonho da maioria dos habitantes das favelas de terem os seus negócios onde moram. Assim, vira-se uma indesejada página da nossa história, como lembrou Celso Athayde em entrevista ao jornalista e comunicador Marcelo Tas. Disse ele: “As iniciativas de qualificação e formação profissional tinham como foco formar pretos para servir aos patrões”. E acrescentou: “Os negócios têm que se formar com as pessoas”.

*Paulo Solmucci é presidente-executivo da Abrasel

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