“Apesar de ter sido um dos principais prejudicados pela pandemia, o setor vem respondendo com uma retomada consistente, criando empregos e ajudando a movimentar a economia. Para que este processo continue, é importante manter os avanços da reforma trabalhista e aprofundar a simplificação do empreender no país”, afirma Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel
Embora tenha sido um dos responsáveis pela queda na quantidade de pessoas desempregadas no Brasil nos últimos 12 meses, considerando um apanhando além do divulgado no último levantamento da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), o setor de bares e restaurantes ainda encontra dificuldades em preencher as vagas em aberto.
Junto do setor de alojamento, foram mais de 1,2 milhão de vagas preenchidas desde abril do ano passado – os estabelecimentos de alimentação respondem por 90% delas, segundo a Abrasel. Isso representa uma evolução de 29,2% na comparação com o primeiro trimestre de 2021.
Com isso, o número de pessoas empregadas em bares, restaurantes, empórios, hotéis e demais serviços correlatos está na casa de 5,3 milhões, ainda abaixo do registrado antes da pandemia, de mais de 6 milhões de vagas. Para Paulo Solmucci, presidente nacional da Abrasel, ainda é possível recuperar o nível pré-pandêmico, mas a situação econômica do país não vem ajudando como deveria.
“Apesar de ter sido um dos principais prejudicados pela pandemia, o setor vem respondendo com uma retomada consistente, criando empregos e ajudando a movimentar a economia. Para que este processo continue, é importante manter os avanços da reforma trabalhista e aprofundar a simplificação do empreender no país”, afirma.
No entanto, esse otimismo vem esbarrando na dificuldade de se contratar mão-de-obra para os bares e restaurantes brasileiros. Sobram vagas que nem se exige muita qualificação inicial, como garçom e auxiliar de cozinha, mas faltam candidatos dispostos a preenchê-las.
Rotina exaustiva
Os donos destes estabelecimentos reconhecem: trabalhar num restaurante não é uma tarefa fácil, a começar pelo dia a dia. Na maioria das casas, o atendimento é de segunda a segunda, com uma folga semanal (geralmente na segunda-feira mesmo) e um domingo por mês.
Ou seja, não tem fim de semana inteiro e nem feriado como em outros ramos do comércio. Os horários também são diferentes do dia a dia do restante da população. Enquanto o horário comercial vai das 9h às 18h, a jornada dos bares e restaurantes começa muito mais cedo, como nas panificadoras, ou vai até bem mais tarde – normalmente até 23h30 ou mesmo passa da 0h.
Se não bastassem estes dois motivos, há ainda o trabalho na cozinha a altas temperaturas ou no salão, com muitas horas em que o trabalhador fica em pé servindo mesas. Mas, ainda assim, é um trabalho que, se a pessoa estiver disposta, pode crescer na carreira, explica Fábio Aguayo, presidente da Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar).
“Parece surreal em um país com mais de 10 milhões desempregados achar alguém disposto a trabalhar em uma categoria que foi devastada durante a pandemia, onde milhares de colaboradores perderam seu emprego. As ofertas estão no dia a dia, mas contratar alguém comprometido e engajado é um desafio enorme e estarrecedor”, pondera.
Embora não existam dados consolidados de quantas vagas estão efetivamente abertas para contratação imediata, por conta da flutuação de acordo com o dia de movimento, a situação vem se agravando em todo o país.
Gustavo Haas, proprietário dos restaurantes Taco El Pancho e Sheridans, em Curitiba, tem observado esse movimento já desde antes da pandemia, e com mais força ao longo dela. Para ele, a remuneração vem melhorando se comparado ao que era antes, mas nem isso tem sido suficiente.
"Sinto que as pessoas querem empregos mais leves, com menos horas dedicadas, mais dias de folga. Mesmo com salários melhores e benefícios, elas não querem mais se sujeitar [à rotina do restaurante]", diz.
A situação vivida por Haas não difere muito dos operadores de franquias, principalmente de fast food, tidas como uma porta de entrada para o mercado de trabalho. Gustavo Grassi, proprietário de unidades do Habib’s em Curitiba, também sofre para preencher vagas e manter outras ocupadas.
“Está difícil mesmo. A rotatividade de funcionários está alta e muito difícil de completar a vaga", diz.
Outros empresários operadores de franquias ouvidos reservadamente pelo Bom Gourmet relataram a mesma dificuldade, principalmente para cargos de auxiliares de limpeza e atendentes.
E tem saída pra isso?
A resposta mágica ou fórmula secreta para convencer as pessoas em busca de uma vaga de trabalho não existe, e isso não é um problema apenas do Brasil. Marco Amatti, consultor e CEO da Mapa Assessoria em Negócios de Alimentação Fora do Lar, esteve participando da NRA Show, a maior feira do mundo de food service que ocorre anualmente em Chicago, nos Estados Unidos, e conta que a situação lá é tão complicada como aqui.
“Eu fui a uma unidade do Whole Food (rede de supermercados com restaurante) e há telas espalhadas com anúncios de que paga US$ 15,50 a hora de trabalho para todas as vagas. Isso é geral e passa longe da explicação de que as pessoas não querem voltar por conta dos benefícios concedidos pelo governo americano. Não há mais benefícios, as pessoas realmente não querem mais trabalhar em restaurantes”, disse ao Bom Gourmet.
Ele considera que isso acontece por conta de uma questão geracional, uma mudança de hábito e do conceito de “felicidade” das pessoas. Os mais jovens, que começavam a vida laboral como atendentes de fast food, por exemplo, hoje preferem atividades que tenham a internet como ambiente de trabalho.
Já para os mais experientes, da geração seguinte, o desemprego que castigou milhares de empresas – além dos próprios restaurantes – fez com que repensassem suas carreiras. Se antes da pandemia uma pessoa trabalhava como garçom ou cozinheiro no restaurante, ela foi demitida e passou a empreender em casa, o que explica a grande quantidade de microempreendedores individuais (MEIs) que passou a cozinhar em casa e a vender pelo delivery – em números gerais, são 11,1 milhões, sendo 1,06 milhão abertas apenas em 2022 segundo o Painel Mapa de Empresas do Governo Federal.
“E essas pessoas viram que mais vale ganhar R$ 1 mil, R$ 2 mil a mais fazendo comida em casa e podendo ficar com o filho, por exemplo, do que ficar por 8 ou 10 horas na cozinha de um restaurante”, conta o consultor.
E, ainda, segundo Marco Amatti, outra questão que passou a ser levada em conta pelos profissionais foi a flexibilização das leis trabalhistas que os permite trabalhar como “taxa” em dias esporádicos em vez de uma jornada semanal, e tendo o mesmo ganho no final do mês.
“Não existe uma fórmula mágica para atrair os funcionários de volta, e não sei nem se haverá uma reversão ao que era antes nesta questão de empregabilidade. O mercado está se reacomodando, e a tendência é se otimizar e simplificar cada vez mais o serviço do restaurante”, completa.
Amatti afirma que a tendência é diminuir o atendimento em mesa, enxugar a cadeia de produção, ter cada vez menos manipulação dos alimentos na cozinha em si. “E não adianta oferecer salários ainda maiores, é uma mudança geracional”, finaliza o consultor.
Fonte: Gazeta do Povo