Presidente da Abrasel afirma em entrevista que ação proposta pelos bancos é prejudicial ao povo e ao setor de comércio e serviços

Em entrevista concedida à Jovem Pan News, o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, comentou a proposta do Projeto de Lei que cria um teto para o rotativo do cartão de crédito e regulamenta o Desenrola, programa de negociação de dívidas do governo.
O texto, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados, agora segue para avaliação do Senado. A proposta, no entanto, ainda cria uma divergência de opinião entre os parlamentares.
Acompanhe a entrevista:
A expectativa é que o Projeto de Lei seja aprovado no Senado Federal e sancionado. Qual o impacto previsto para os setores do comércio de bens e serviços?
Há um consenso de que algo precisa ser feito. Juros de 450 % são abusivos e não ajudam a retornar à normalidade aquele pagador que está com dificuldade. Os bancos sempre adiam as soluções. Poderiam ter atuado com mais presteza e proposto alguma resolução, mas lamentavelmente o Congresso precisou tabelar.
Nós acreditamos na concorrência e na defesa da portabilidade, para que haja uma disputa em torno desse credor, que alguns falam que não é bom pagador, mas é. Os atrasos de dez, quinze dias e essa dificuldade não são normais no dia a dia. O Parlamento teve sensibilidade ao reagir à questão, que desde o início do ano permance sem uma proposta de solução pelos bancos.
Preferíamos outra solução, mas ele foi sábio ao dizer que a situação poderia ser resolvida em um bom acordo no Conselho Monetário Nacional. O problema é que eles querem compensações dos bancos.
A Abrasel e outras entidades vêm fazendo campanhas nos jornais de grande circulação contra a possibilidade de se acabar com o parcelamento sem juros no cartão de crédito. De que maneira que isso prejudicaria o comércio?
A nossa expectativa é que o Senado reproduza a sensatez da Câmara de não compensar. Os bancos dizem aceitar baixar os juros extorsivos, de mais de 400%, se forem compensados com uma modificação, uma remodelagem, que são os termos que eles usam.
Na nossa opinião, é um eufemismo para aleijar um produto, reduzir a competitividade do parcelado sem juros, que hoje é responsável por três em cada quatro negociações com cartões de crédito.
O brasileiro precisa muito dessa forma de pagamento. O lojista que vende e o consumidor que compra têm ampla preferência por esse produto. Se os bancos querem concorrer, que lancem um produto adequado. O nosso embate tem sido fazer com que eles busquem atender aos interesses maiores da sociedade e compreendam a situação de momento.
Hoje, mais de 40% dos brasileiros estão negativados, mas ainda são consumidores muito importantes para o setor de comércio e serviço. E eles têm uma linha de crédito que permite comprar um remédio, uma vacina.
Se você tem o celular roubado, precisa comprar outro imediatamente e parcela em dez, doze vezes. Ainda que tenha o dinheiro na conta, você não pode deixar de comer, de ir no bar, no restaurante, de ir ao médico, cortar o cabelo.
Os bancos precisam entender a realidade do brasileiro que vive com dificuldade, precisam ser sensíveis ao setor de comércio e serviço, que não tem outra forma de financiar as suas compras.
E nós usamos esse crédito que temos a receber das maquininhas para tomar empréstimo pelos próprios bancos, nós damos de garantia a eles, é a única garantia que o comércio e serviço têm. Então, aleijar o parcelado sem juros é ignorar o apoio do parlamento, da sociedade e dos lojistas a esse produto que é campeão.
Existe uma cultura estabelecida no Brasil, que talvez seja até um reflexo da própria carga tributária, que leva o consumidor a comprar um celular muito mais caro do que o resto do mundo. Em outros países, a média de parcelamento é de até três vezes, e se nós alcançássemos esse número no Brasil, os bancos conseguiriam derrubar os juros do rotativo em pelo menos 50%. Qual a sua opinião sobre essa alegação dos agentes financeiros?
Primeiro, acho indecente que alguém possa celebrar uma redução de 450% para 250 % de juros. Se eles querem comparar com os americanos e com os europeus, esse valor chega a ser 20, 30 vezes maior do que os juros cobrados lá fora.
Essa proposta não faz o menor sentido, até porque é uma proposta de boca, nunca vai para o papel e não existe um compromisso. Segundo, estão afastados da realidade do brasileiro. Eles não conhecem o que é ter um celular roubado, que custa hoje, por exemplo, mil, mil e poucos reais.
Esse é um instrumento de trabalho, seja para um motorista de Uber, seja para um motoqueiro, para qualquer pessoa. Como é que quem ganha um salário mínimo, ou até um pouco mais, vai pagar um celular?
Na pandemia, por exemplo, o nosso setor de bares e restaurantes pagou um preço altíssimo. Ficamos de portas fechadas, negativados. Nós não temos crédito. Nós precisamos usar, às vezes, o cartão da pessoa física, do proprietário, para comprar produtos e abastecer os bares e restaurantes. Não recebemos nenhuma proposta de ajuda até hoje, os bancos apenas buscam compensações.
E quando falam sobre as três parcelas, querem aleijar esse produto. O parcelado sem juros no Brasil foi inventado pelos grandes bancos, mas eles eram donos das duas únicas empresas que ofereciam essa possibilidade. Hoje, há ampla concorrência. Então eles estão dividindo o bolo, que antes adoravam, e isso está incomodando. Dividir o bolo não tem sido uma coisa que dá preço ao banqueiro.
A impressão que se tem é que mesmo que essa proposta passe com facilidade no Senado, as discussões ainda vão muito longe.
É importante que esse seja um debate público. Inclusive me ofereço, se os bancos quiserem trocar uma ideia de público e ter um debate com transparência.