“Está todo mundo com saudade de beber em mesa de bar”, afirmou Paulo Solmucci, presidente da Abrasel

Após quase três anos de pandemia e de restrições sociais, o brasileiro intensificou em 2022 o consumo de bebida alcoólica fora de casa, em bares e em restaurantes. É o que sinaliza estudo da consultoria Scanntech, especializada em varejo.
A vontade de sair de casa para reencontrar amigos e a variação dos preços das bebidas em ritmo menor nos bares e restaurantes do que nos supermercados, ao longo de 2022, explicam esse movimento da demanda.
No Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, a cerveja consumida no domicílio subiu 3,08% de janeiro a julho deste ano. Fora de casa, a variação de preço do produto foi de 3,03%. No caso do vinho, a inflação para o mesmo período, dentro de domicílio, foi de 2,05%. Fora de casa, a variação acumula queda de 4,24%. Cerveja e vinho representam mais de 80% do total de bebidas alcoólicas consumidas no país, segundo a Scanntech.
No estudo, a participação de álcool no total de vendas de bebidas em supermercados e atacarejos - ou seja, para consumir em casa - caiu de 59% no primeiro semestre em 2021 para 54% em igual semestre em 2022. A pesquisa foi elaborada a partir de informações coletadas em supermercados e atacarejos regionais, que movimentam cerca de R$ 480 bilhões ao ano.
“O brasileiro nunca parou de beber. Não é que esteja bebendo menos, e sim, que há mudança do local de consumo”, diz Flavia Costa, pesquisadora da Scanntech.
Na base de dados da Scanntech, não é normal que a fatia de bebidas alcoólicas, no total de vendas de bebidas em supermercados e atacarejos, se reduza para patamar de 54% do total. Em 2019 essa parcela era de 58%; subindo para 61% em 2020; voltando para 58% em 2021. Daí a percepção de que mais pessoas estão consumindo álcool fora de casa, explica a pesquisadora.
A Ambev notou retomada no setor de bares e restaurantes. No balanço do segundo trimestre, que mostrou alta de 8,5% no volume de cerveja vendido ante igual período de 2021, a empresa citou o retorno contínuo do consumo fora de casa como um dos motores do resultado. “Devemos ter em 2022 um cenário diferente do encontrado nos últimos anos, o que nos traz uma boa previsibilidade e um otimismo”, afirmou a empresa ao Valor.
Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, concorda. A projeção de Solmucci é que o faturamento do setor tenha crescido 20% no segundo trimestre sobre um ano antes. Para 2022, a projeção é de crescimento real de faturamento (descontando a inflação) de 5% ante 2021, e de 8% ante 2019.
Uma incidência menor de reajustes na bebida alcoólica fora de casa também contribuiu para o atual cenário. Assim como toda cadeia produtiva, o setor de bebidas sentiu aumento de custos. Mas, segundo Solmucci, bares e restaurantes têm mais margem de manobra do que supermercados, para não repassar tanto a alta ao consumidor. “As margens dos supermercados são mais apertadas. É mais difícil segurar preços”, disse.
Entretanto, mesmo que uma inflação menos pressionada seja relevante, o desejo de voltar a socializar com amigos é considerado o principal fator para bares cheios agora, observou o presidente da Abrasel. “Está todo mundo com saudade de beber em mesa de bar”, afirmou.
É o caso do administrador Bruno Carneiro, de 41 anos. “Quando começou a pandemia, eu bebia de quatro a cinco vezes por semana dentro de casa. Agora, continuo a beber nessa frequência, mas fora de casa”, disse. “É uma questão de vida social.”
O “fator social” também foi citado por Paulo Antunes, gerente da rede de restaurantes Fogo de Chão no Brasil. “Durante esses últimos anos, as pessoas foram forçadas a fazer drinques, a tomar vinho em casa”, afirmou. “Mas, quando os restaurantes reabriram, as pessoas queriam ter experiências”, disse o executivo da rede, que conta com 66 unidades no Brasil e no exterior.
A bebida tem impacto nos negócios da Fogo de Chão: cerca de 13% do faturamento de cada unidade vem de álcool.
No caso de vinhos, Karina Bellinfanti, sócia do bar de vinhos Cave Nacional em Botafogo, zona sul do Rio, juntamente com seu marido, Marcelo Rebouças, sentiu mudança para melhor nos negócios presenciais em 2022.
Sem mencionar faturamento, a empresária, que também vende pela internet, afirmou que antes da pandemia o bar vendia de mil a 1,5 mil garrafas por mês. “Agora estou girando mil garrafas por mês”, disse, não descartando voltar ao patamar de 1,5 mil ainda em 2022.
Agosto, segundo a empresária, está sendo um “mês muito bom” para o bar, inaugurado em 2017 e com capacidade de estocagem para 5 mil garrafas. “O brasileiro passou a beber mais vinho após a pandemia”, acrescentou.
A Vinhos Antinori vê o mesmo movimento, segundo o gerente de exportação da marca italiana, Elia Atzori. Há mais de 30 anos no país, a empresa cresceu na pandemia. “Agora o desafio é controlar esse aumento de demanda”, disse.
A marca estuda como aumentar estoques para mercado brasileiro, que responde por fatia de 2% a 3% do total de vendas do rótulo. A previsão é que a Antinori feche o faturamento no Brasil em um € 1 milhão em 2022, 20% a mais do que em 2021. Mas, para Atzori, agora, o país tem potencial de faturar mais - até € 7 milhões anuais.
O bom movimento foi percebido também em restaurantes dentro de hotéis. “Acreditamos em um segundo semestre melhor, tanto no movimento dos restaurantes como na venda de bebidas”, disse o gerente de alimentos e bebidas da rede Windsor, Valmor Dutra. A Windsor tem restaurantes em cada um dos seus 17 hotéis no país. “Estamos otimistas que, em 2022, conseguiremos ultrapassar os resultados de 2019”, afirmou Dutra.
Fonte: Valor