Um barzinho de vizinhança é, por menor que seja, o lugar da vida social das pessoas. Por isso mesmo, tornam-se parte importante da memória de uma cidade. Há situações em que esses frequentadores dos pequenos bares são personagens célebres ou que, com o tempo passar do tempo, vão subindo os degraus da fama.
O ator Mário Lago, por exemplo, frequentava um barzinho próximo ao prédio onde morava, em Copacabana, na Rua Júlio de Castilhos. Doze anos após a sua morte, os que vão ao bar falam dele, lembram seus relatos sobre os filmes e as novelas em que atuou. O escritor João Ubaldo Ribeiro, que recentemente nos deixou, era ‘habitué’ do Bar Tio Sam, na Cobal do Leblon.
Com isso, quero dizer que qualquer mercearia, quitanda, bar ou restaurante é, por si, um patrimônio cultural da sociedade na qual vivemos, sejam eles dos bairros cariocas de Copacabana ou do Leblon, da capital paulista, de Nova York ou Paris.
O que acontece no Brasil é que esses patrimônios culturais desaparecem em um estalar de dedos, sufocados que são pela burocracia da prefeitura, pelos altos impostos, pela sujeira e violência de nossas ruas. Quem for a Paris em busca dos locais preferidos pelo escritor norte-americano Ernest Hemingway, os encontrará em plena atividade, mesmo 53 anos depois de sua morte, em 1961. Pulsantes como sempre, lá estão os restaurantes Auberge de Venise, Le Dôme, La Closerie des Lilas.
A preservação de uma Confeitaria Colombo, no Rio, é um caso raríssimo entre nós. Foi fundada em 1894, cinco anos do nascimento do escritor Machado de Assis, que a ela compareceu, rotineiramente, durante toda a sua vida.
Um dos mais acessados vídeos brasileiros, no youtube, é o do encontro entre Adoniran Barbosa e Elis Regina, ocorrido no bar da Dona Carmela, no Bixiga, em 1978. O bar era uma extensão do jeito simples e acolhedor da sua proprietária, Carmela Luzzo. Nele, Adoniran sentia-se em casa, tanto assim que o escolheu para a gravação do vídeo, um especial da Band.
O Dona Carmela não existe mais. Junto com imóveis vizinhos, foi demolido, cedendo espaço para um grande estacionamento. Pois, então. São Paulo não tem um personagem mais amado, em sua história, do que Adoniran Barbosa. A gaúcha Elis Regina projetou-se, a partir de São Paulo, como a maior cantora brasileira de todos os tempos. O cantinho deles deveria ter sido guardado, como algo quase sagrado, como as fotografias de nossos mais queridos antepassados.
Quando uma cidade dizima seus bares, liquida sua história.