O governo tem justificado as recentes restrições ao saque-aniversário do FGTS como uma forma de proteger os trabalhadores do superendividamento. Mas, na prática, essa medida retira deles a possibilidade de acessar um recurso próprio, com custo muito menor do que qualquer linha de crédito disponível no mercado.
Desde sua criação, em 2019, o saque-aniversário movimentou cifras expressivas e trouxe impacto real à economia. Entre 2020 e 2025, foram R$ 236 bilhões em operações de antecipação. Só em 2024, a modalidade injetou R$ 33 bilhões, beneficiando 28,6 milhões de trabalhadores. No Nordeste, mais de 5 milhões aderiram, movimentando cerca de R$ 6,8 bilhões — recursos que sustentaram pequenos negócios e consumo básico em regiões onde o crédito é escasso.
Tudo isso está ameaçado pelas novas regras impostas em 1º de novembro de 2025. Agora, quem optar pelo saque-aniversário só pode antecipar cinco parcelas no primeiro ano, com valor máximo de R$ 500 por parcela — ou seja, R$ 2.500 no total. A partir de 2026, o limite cairá para três parcelas. Além disso, há uma carência de 90 dias entre a adesão e a possibilidade de contratar a antecipação, e apenas uma operação por ano é permitida. Antes, era possível antecipar até 10 anos de saques, sem teto de valor e com múltiplos contratos simultâneos.
O impacto dessas restrições é direto: elas empurram milhões para alternativas muito mais caras. Hoje, a antecipação do FGTS tem juros médios de 1,79% ao mês, enquanto o consignado privado chega a quase 6%, e o rotativo do cartão ultrapassa 10% ao mês. Em um país onde 76% das famílias estão endividadas, essa diferença é decisiva. Com o próprio dinheiro, o trabalhador paga muito menos para sair do vermelho.
No Nordeste, onde a taxa de juros para microempreendedores gira em torno de 51% ao ano (cerca de 3,49% ao mês), a antecipação do saque-aniversário é quase metade do custo. Essa diferença mostra como a modalidade é vital para evitar que pequenos empreendedores e suas famílias sejam sufocados por juros abusivos.
Outro ponto ignorado é o impacto macroeconômico. Cada real liberado pelo saque-aniversário gera efeito multiplicador, especialmente em setores como alimentação fora do lar, turismo e comércio. Estudos indicam que as novas regras podem retirar R$ 5 bilhões de circulação imediata, num momento em que famílias de baixa renda enfrentam o maior nível de endividamento da última década.
Não é justo nem necessário se tirar do trabalhador o direito de usar o seu FGTS. Em 2024, o fundo somava R$ 770 bilhões, mantendo plena capacidade para financiar habitação e infraestrutura. Usar o dinheiro do trabalhador para financiar aptos não é o problema, mas impor barreiras que tiram autonomia e aumentam o custo do crédito do trabalhador obrigando-o a ficar com seu dinheiro preso e mal remunerado é cruel.
Proteger não é restringir. É dar condições para que o trabalhador use seu próprio dinheiro com responsabilidade e planejamento. Reduzir o saque-aniversário é andar na contramão do interesse do trabalhador, especialmente os de mais baixa renda. O Brasil precisa de mais liberdade, mais circulação de recursos e menos barreiras que penalizam quem já vive no limite.
*Artigo publicado originalmente no portal BNews.
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