Além de ser vítima de bandidos, o setor de bares e restaurantes também sofre com a omissão do poder público no caso das bebidas falsificadas
O Brasil viveu uma sequência de casos graves de intoxicação por metanol, substância tóxica usada na adulteração de bebidas alcoólicas. As consequências: mortes, internações e uma onda de insegurança que atingiu em cheio o setor de alimentação fora do lar, especialmente os bares e casas noturnas.
Mas o problema não está nos estabelecimentos, sérios e comprometidos, e sim na ausência do Estado onde ele deveria ser mais presente: na fiscalização e no combate a quem falsifica e adultera bebidas para vender no mercado.
Recentemente, duas fábricas clandestinas de bebidas adulteradas foram descobertas no estado de São Paulo. A rapidez da ação das autoridades surpreendeu. Mas ela levanta uma questão incômoda: já sabiam da existência das fábricas e nada fizeram? Ou só descobriram agora, o que prova que é possível identificar falsificações quando há foco e interesse? Qualquer que seja a resposta, fica claro que o Estado tem meios para agir, só precisa querer.
A omissão do Estado não se limita às bebidas. O caso dos cigarros eletrônicos é emblemático. A Anvisa se recusa a regulamentar o produto, e com isso empurra milhões de brasileiros para o mercado ilegal. Estima-se que cerca de 3 milhões de pessoas usam cigarros eletrônicos no país, expostas a riscos graves por conta da pirataria. A ausência de regulação cria um ambiente fértil para falsificações — e para tragédias.
Não é preciso criar mais leis para punir quem adultera bebidas. O Brasil já possui um arcabouço jurídico robusto. O que falta é fiscalização eficiente para que essas leis sejam aplicadas. O papel do Legislativo não é jogar para a plateia, mas garantir que os falsificadores sejam identificados, punidos e retirados de circulação.
Nos bares e restaurantes, quem consome são os amigos, os familiares dos donos e dos funcionários, além de uma comunidade de clientes valiosa em todos os sentidos. Nenhum empreendedor em sã consciência colocaria seus clientes em risco. O setor é vítima da falsificação, e não pode ser responsabilizado por aquilo que não controla.
Um estudo recente da entidade Médicos Sem Fronteiras mostra que o Brasil não aparece entre os países com maior incidência de intoxicação por metanol no mundo. Isso reforça que o problema, embora grave, não é endêmico — e pode ser combatido com ações pontuais e eficazes. O que falta é coordenação e prioridade por parte das autoridades.
A Abrasel tem feito sua parte. Orientamos os empreendedores do setor, promovemos boas práticas e colaboramos com as autoridades. Mas não podemos substituir o papel do Estado. É ele quem deve garantir que produtos falsificados não cheguem ao mercado. É ele quem deve proteger o cidadão.
A crise atual é um chamado à responsabilidade. Não podemos mais aceitar a lógica da omissão. O Estado precisa assumir seu papel de guardião da saúde pública, com fiscalização ativa, punição efetiva e comunicação clara com a sociedade. A transparência e o acesso à informação são fundamentais para que o cidadão saiba o que está consumindo.
Neste caso específico, a falta de mensagens claras e de articulação entre os poderes na comunicação deu margem a todo tipo de especulação absurda e inverídica. Claro que as mortes trazem preocupação e causam consternação a todos, mas a maioria dos casos em investigação já foi descartada e o que se anunciava como uma grande onda de intoxicações por todo o país acabou, felizmente, se mostrando como ocorrências pontuais em algumas poucas cidades.
O setor de alimentação fora do lar é parte da solução, não do problema. Somos aliados na construção de um Brasil mais seguro, mais justo e mais responsável. Mas precisamos que o Estado esteja ao nosso lado, cumprindo seu dever.
Que esta crise sirva de ponto de virada. Que o poder público pare de se omitir e assuma, de uma vez por todas, a responsabilidade que lhe cabe. A vida dos brasileiros não pode depender da sorte. Tem de depender da lei, da fiscalização e do compromisso com o bem comum.
*Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense
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