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Por Valerio Fabris

Eliana Souza Silva, professora universitária e diretora da Redes de Desenvolvimento da Maré: "o caos urbano não se resolverá sem o foco nos territórios segregados e o envolvimento da sociedade e lideranças comunitárias. Foto: Elisângela Leite/Redes da Maré



A internacionalmente conceituada escola de negócios paulistana, o Insper, acaba de acrescentar à sua grade de ensino um curso inédito no Brasil, que é o de pós-graduação lato senso em Urbanismo Social. Este fato logo propiciou a oportunidade para, imediatamente, se estabelecer uma conexão entre a Baía da Guanabara e São Paulo. Acrescentou-se ao corpo docente do recém-criado curso de pós-graduação uma professora nascida na Paraíba, mas de raízes profundamente cariocas.

A contratada pelo Insper é Eliana Sousa Silva, que em 1997 foi uma das fundadoras da Rede de Desenvolvimento das Marés. Desde então, ela vem dirigindo essa renomada organização não governamental que empreende projetos de educação, cultura e melhorias territoriais nas 16 favelas do chamado Complexo da Maré, às margens da Baía de Guanabara, onde há uma população de 140 mil habitantes. Quando tinha sete anos de idade, em 1970, sua família emigrou da pequena cidade paraibana de Serra Branca (atualmente com 14 mil habitantes) para o Rio de Janeiro. Pai, mãe e cinco irmãos fixaram-se na Favela Nova Holanda, implantada durante o governo Carlos Lacerda (1960/65) em um aterro na área de pântanos e mangues, às margens da Baía de Guanabara.

O nome da favela é referência ao país europeu, que tem um quarto do seu território oriundo de expansões sobre terras situadas abaixo do nível do mar. Hoje, aos 57 anos, aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Eliana é professora visitante da USP. Aos motivos do vaivém entre o Rio e São Paulo, acrescentará as aulas na pós-graduação do Insper. Seu currículo é denso. Pela UFRJ, graduou-se em Educação. Obteve o título de mestre em Educação e doutora em Serviço Social, pela PUC-Rio. Realizou pesquisa em Ciências Sociais nos Estados Unidos.

Na UFRJ, também coordenou o curso de pós-graduação em Segurança Pública, destinado aos profissionais da área. Integrou a equipe da Divisão de Integração Universidade-Comunidade da UFRJ. Foi uma das ganhadoras do Prêmio Itaú Cultural 30 anos, em 2017. No final daquele ano, recebeu o diploma honorário de doutora em Letras, por sua atuação comunitária e produção acadêmica. É autora do livro “Testemunhos da Maré”, publicado em 2012.

A "pós" do Insper formará gestores que se unam à sociedade civi, à iniciativa privada e ao Estado, ponto um fim às isoladas decisões de gabinete

A pós-graduação em Urbanismo Social, no Insper, volta-se à capacitação de gestores vocacionados a conduzir os processos de governança compartilhada das obras públicas. Por meio desse sistema de convergências, a sociedade, a iniciativa privada, as áreas acadêmicas e o Estado formatam e conduzem o projetos de investimentos desde a origem até à implementação e operação das obras e/ou serviços.

É voz unânime dentro da instituição de que não se pretende, com a pós-graduação em Urbanismo Social, a formação de arquitetos e urbanistas, mas, sim, o de se a criar no país uma cultura geral de gestores de várias áreas (inclusive as do setor público), que se juntem às lideranças comunitárias na identificação das prioridades e no desenvolvimento das cidades brasileiras, seja com projetos de infraestrutura ou dos serviços de educação, saúde, lazer e cultura.

O velho modelo, que vigora generalizadamente, só produziu segregação, como diz oeconomista Marcos Lisboa, presidente do Insper: “O tema do urbanismo é central nos grandes desafios do Brasil de hoje. As cidades brasileiras são o retrato da desigualdade do país. Juntos, podemos encontrar caminhos diferentes. Sabemos das dificuldades na gestão do espaço urbano, que é necessariamente inter-disciplinar e envolve a negociação de conflitos. Há muito tempo nossas cidades perderam a sua capacidade de serem os locais da interação, da convivência, da troca de ideia. Temos cidades muradas, de condomínios fechados, e os pobres sendo espalhados para longe, com implicações na mobilidade e na qualidade de vida das pessoas”.

O arquiteto/urbanista Carlos Leite, coordenador do núcleo de Urbanismo Social do Insper, na mesma linha de Marcos Lisboa diz que as “desigualda- des sócioespaciais” dominam as cidades brasileiras, e não serão desfeitas com “soluções mágicas”, mas com “mudanças incrementais”. É preciso, conforme acres- centou, que se coloque em prática a governança com- partilhada com o poder público, a iniciativa privada, as comunidades locais e os movimentos de base. A prioridade nacional, a seu ver, é “melhorar a vida das populações mais vulneráveis, nas metrópoles do país”.

O urbanista Carlos Leite, coordenador do núcleo de Urbanismo Social, no laboratório Arq. Futuro de Cidades, no Insper, e seu novo livro "Urbanismo social na América Latina - Casos e Instrumentos de Planejamento, Política Fundiária e Financiamento da Transformação da Cidade com Inclusão Social. Foto: Divulgação


Querer resolver tudo de uma só vez, é o mesmo que nada resolver. Tem de se colocar fogo em cada território, de modo incremental

A professora e líder comunitária Eliana Sousa Silva, diz, com base em sua vivência na área acadêmica e nos ininterruptos 23 anos na direção da Redes de Desenvolvimento da Maré: “Dificilmente se resolve- rá nas cidades esse caos, em que se encontram, se não olharmos os desafios a partir da perspectiva territorial, fazendo com que haja o efetivo envolvimento e a implicação de toda a sociedade no encaminhamento das soluções requeridas pelo diagnóstico de cada situação específica”.

O “foco territorial”, como afirmou Eliana, e as “mudanças incrementais”, como disse Carlos Leite, são pressupostos imprescindíveis ao ordenamento e à qualificação do espaço urbano. Para cada um dos territórios da cidade se elabora particularizada agenda, com especificidades que requerem levantamentos socioeco- nômicos, detalhamentos técnicos e uma intensiva lei- tura participativa por meio de oficinas, workshops e reuniões com as respectivas comunidades. Sem uma vivência na vida real, o diagnóstico fica inacabado e não se constroem as soluções, enfatiza ela.


O auditório de "iluminados" não produz governança compartilhada.Sem dados, evidências e engajamento comunitário, nada feito.

O corpo docente do Insper (e o da pós-graduação em Urbanismo Social não foge à regra) é constituído de professores graduados e pós-graduados nas melhores universidades públicas brasileiras e nas que se situam no topo da classificação mundial, entre elas as de Chicago, da Pensilvânia, da Califórnia, o MIT (Massachusetts Institute of Technology), Harvard, Princeton, Yale. A crença arraigada no Insper é de que, mesmo dezenas de mentes brilhantes, não po- dem prescindir da pluralidade inerente aos modelos de governança compartilhada.

É comum se verem, como diz Marcos Lisboa, proposições para o país crescer de verdade. São propostas apresentadas com uma “impecável motivação e uma ótima exposição de motivos”, mas lhes faltam “a técnica, o detalhamento”. E mais ainda, como aponta ele, não se colocam as cidades nessa agenda do crescimento. “Olha o potencial de inclusão social e de crescimento que essa agenda poderia ter. Nossas cidades estão em frangalhos, penalizando as populações pobres e forçando a infor- malidade. Acho que quem defende algumas teses nunca visitou uma favela para saber o drama que é”.

A sigla Insper vem das palavras “inspiração” e “pertencimento”. O conceito que se aplica a toda a escola vale também para o Urbanismo Social. E, assim, acoplada à pós-graduação voltada à formação de gestores urbanos, dentro do conceito da gover- nança compartilhada, criou-se o denominado um laboratório de cidades, em parceria com a Arq.Fu- turo, uma institucionalizada plataforma de debates sobre os rumos das cidades, fundada há 11 anos pelos sócios Marisa Moreira Salles e Tomas Alvim (Veja entrevista dele clicando aqui)

Marcos Lisboa, presidente do Insper: "Olha o potencial de inclusão social e de crescimento que essa agenda poderia ter. Nossas cidades estão em frangalhos, penalizando as populações pobres e forçando a informalidade. Acho que quem defende algumas teses nunca visitou uma favela para saber o drama que é". Foto: Divulgação



A vivência das lideranças comunitárias é imprescindível à interdiciplinar plataforma de aprendizado, pesquisa e inovação

O protagonismo feminino tem sido um fenô-meno não só na liderança de movimentos comunitários no Brasil, mas também na chefia de governos de países da Europa, Ásia e Oceania, como estes exemplos destacados na imprensa internacional: na Alemanha, Angela Merkel; na Nova Zelândia, Jacinda Ardern; em Taiwan, Tsai Ing-wen; na Finlândia, Sanna Marin, na Islândia, Katrín Jakobsdóttir. O Núcleo de Mulheres e Território contará com as presenças de seis líderes sociais de São Paulo e do Rio de Janeiro, sendo que duas delas já estão contratadas: a professora Eliana Sousa Silva e Carmen Silva, líder do MSTC Movimento Sem Teto do Centro de São Paulo.

Mesmo que algumas dessas lideranças não tenham formação acadêmica, isso não é considerado relevante. A função delas é transmitir aos demais integrantes do Laboratório de Cidades e, por con- sequência, aos professores e alunos da pós-gradua- ção em Urbanismo Social um detalhado conheci- mento da realidade dos territórios vulneráveis que coloquialmente só elas têm por completo. Sobre qual é a importância das aulas e debates dessas li- deranças no Laboratório de Cidades, diz a diretora da Rede das Marés:

“Muitos gestores têm um conhecimento apenas acadêmico, falando do ponto de conceitual, teórico. Entram em contato com determinadas dinâmicas sociais e determinados problemas, mas a partir das leituras, sem uma vivência que os faça saber do que mais afeta as populações. Essas lideranças comuni- tárias possibilitarão que se dimensione concretamente o que de fato precisa ser feito, diferenciando-se o que é acessório em relação ao que é realmente essencial e imprescindível”.

A adesão proativa do Insper ao movimento de 19 organizações sociais, em um "pacto pelas cidades justas", liderado pela Fundação Tide Setubal

Faz parte dos propósitos estabelecidos para o La- boratório de Cidades o apoio a iniciativas voltadas às transformações socioeconômicas das segregadas periferias urbanas da capital e do Estado de São Pau- lo. Posteriormente, semelhantes ações também serão levadas a outros estados e municípios do país. Desta forma, o Insper uniu-se à Fundação Tide Setubal em um movimento intitulado “Pacto pelas Cidades Jus- tas”, lançado em 30 de julho deste ano por 19 orga- nizações sociais, culturais e profissionais.

A presidente do Conselho da Fundação é a socióloga Neca (Maria Alice) Setubal, filha do falecido banqueiro e ex-prefeito de São Paulo, Olavo Setubal. A instituição leva o apelido (Tide) de sua mãe Mathilde de Azevedo Setubal, também falecida. O “Pacto pelas Cidades Justas” tem como primeiro e mais imediato objetivo o de se criarem customiza- dos modelos de governança compartilhada em três comunidades da Grande São Paulo.

Os três territórios iniciais dessa operação são o Jardim Lapenna (bairro pertencente ao distrito de São Miguel Paulista) e as vizinhanças de dois futu- ros CEUs (Centros Educacionais Unificados, que são equipamentos públicos municipais voltados à edu- cação). Os dois CEUs estarão localizados no Parque Novo Mundo e Pinheirinho D’Água, ambos na Zona Norte de São Paulo.

O mais avançado projeto de governança com- partilhada é o do Jardim Lapenna, coordenado pelo arquiteto/urbanista Carlos Leite. Têm sido realizadas oficinas, workshops e reuniões com os representantes locais escolhidos pelos 12 mil moradores do Jardim Lapenna, situado nas várzeas do Rio Tietê, onde há pa- lafitas sobre áreas inundadas. Atravessa o aglomerado a linha 12 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CTPM), antiga variante da Estrada de Ferro Cen- tral do Brasil, que foi inaugurada na década de 1930. Realizou-se o levantamento georreferencial (demarcando-se os limites geográficos do território) e socioeconômico do Jardim Lapenna.

Na sequência fez-se o Plano de Bairro, isto é, um docu- mento com propostas de melhorias locais, advindas de oficina participativas com os moradores e ins- tituições da comunidade. O documento foi basea- do no Plano Estratégico da Cidade de São Paulo. Desenham-se, agora, os projetos básicos das inter- venções físicas, como os de sinalização, mobiliário, calçadas, ciclovia, praças e, também, os relativos ao provimento dos novos serviços públicos a serem ofertados à população.

Na rede de governança entrelaçam-se diversas secretarias da prefeitura de São Paulo. Cada uma delas está previamente incumbida de determinadas ações, já discriminadas no planejamento geral. O processo de edificação da governança aprofunda o engajamento comunitário. Dessa forma, asseguram-se a continuidade das melhorias e a conservação do que foi realizado.

Este é um primeiro grande passo das melhorais incrementais, a que se refere o arquiteto/urbanista Carlos Leite, constituindo-se em um aprendizado a ser reproduzido nos demais territórios situados no es- pectro do “Pacto pelas Cidades Justas”, do qual fazem partes estas organizações não governamentais:
1) Ação Educativa;
2) Arq. Futuro;
3) Fórum Brasileiro de Segurança Pública;
4) Fundação Itaú para a Educação e Cultura;
5) Fundação Tide Setubal;
6) Instituto Acaia;
7) Instituto Alana;
8) Instituto BEI;
9) Instituto dos Arquitetos do Brasil - Departamento São Paulo;
10) Instituto Igarapé;
11) Instituto Pólis, MSTC;
12) Movimento Sem Teto do Centro;
13) Rede Conhecimento Social;
14) Rede Nossa São Paulo Todos pela Educação;
15) Unas - União de Núcleos;
16) Associações dos Moradores de Heliópolis e Região;
17) UMM - União dos Movimentos de Moradia;
18) Urbem - Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole;
19) WRI Brasil;

Tem 6,2 mil alunos matriculados e 364 pro- fessores. Oferece cursos MBAs, educação executi- va, de graduação, mestrado e doutorado em Ad- ministração, Economia e Engenharia (mecânica, mecatrônica e de computação). É uma instituição sem fins lucrativos, não recebe ajuda governamen- tal e não presta consultorias. O Insper é uma das 40 melhores escolas de negócios do mundo, segun- do pesquisa realizada em junho de 2019 pelo jor- nal britânico Financial Times

No campus, há centros de Empreendedoris- mo, Finanças, Agronegócio Global, de Democra- cia e Regulação, de Estudos em Negócio. As torres do Insper dispõem de dez laboratórios, entre eles os de informática, sistemas mecatrônicos, física, instrumentação e medição. Há, ainda, a biblioteca com 35 mil livros físicos e nove mil digitais, res- taurante, lanchonete, quadra poliesportiva, audi- tório de 238 lugares, salas em formato anfiteatro e com lousas eletrônicas.

De acordo com o jornal Valor, em 2019 o Insper teve receita líquida de R$ 250 milhões, supe- rávit operacional de R$ 38,2 milhões e superávit do exercício de R$ 24,7 milhões. Seu Conselho é presidido Claudio Haddad , fundador da institui- ção. Dessa instância deliberativa fazem parte, entre outros, Heitor Marins, sócio-diretor da McKin- sey & Company (escritório SP), Pedro Moreira Salles,presidente do Conselho de Administração do Itaú Unibanco Holding, e o ex-presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, presidente do Conselho do Credit Suisse no Brasil e Diretor do Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP).

Mestres vindos das melhores universidades mundiais e bolsas de estudo para quem não pode pagar

A sigla Insper resultou da soma dos substantivos ‘inspiração’ e ‘pertencimento’. A maioria dos 364 pro- fessores atuantes na escola de negócios, ao longo de 2019, é constituída de doutores e pós-doutores gradua- dos nas mais destacadas universidades brasileiras e mun- diais (como as que em seus emblemas têm gravados os nomes Harvard, Oxford, Yale, Chicago, Pennsylvania, Illinois, Columbia, Stanford, Berkeley ou Cambridge). Os alunos de qualquer parte do país, que passa ram nos exames de ingresso, cujas famílias não têm condições de pagar, recebem bolsa de estudo, hospe- dagem, passagem (quando se originam de diferentes cidades e estados), alimentação e apoio financeiro para locomoção.

O fundo de bolsa de estudos é mantido pela comunidade dos ex-alunos (‘alumni’) que se formaram no instituto, e conta ainda com o apoio financeiro de executivos e empresários. Há dentro do campus a Loja Insper (camisetas, bermu- das, bonés, cadernos e canetas), cujo lucro é canali- zado para as bolsas de estudos. Há estreita parceria do Itaú Cultural com a pós-graduação em Urbanis- mo Social, que resultou na concessão de 30 bolsas de estudos integrais.

O presidente do Conselho Deliberativo, Claudio Haddad, dirigiu o Banco Garantia (em 1998, ven- dido ao Banco de Investimentos Credit Suisse), foi dono da unidade paulistana do Ibemec, a partir da qual realizou e implantou o projeto do Insper, que re- cebeu formalmente este nome em 2009. Entre os só- cios do nascente Insper estavam Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto da Veiga Sicupira, que continuam apoiando o Insper, como doadores.
Haddad permaneceu no comando executivo do Insper até 23 de abril de 2015.

Naquela data, transmitiu o cargo ao seu até então vice-presidente, Marcos Lisboa, que havia exercido a função no pe- ríodo 2013/2015. Pós-doutor (PhD) em economia pela Universidade da Pensilvânia, Lisboa lecionou na Universidade de Stanford, como professor as- sistente. Exerceu a função de diretor-executivo do Itaú Unibanco e, no período 2003/05, foi secretá- rio de Política Econômica do Ministério da Fazen- da, quando o titular da pasta era Antonio Palocci e a presidência do Banco Central era exercida por Henrique Meirelles.

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