A mudança de comportamento do consumidor de café tem provocado transformações no mercado a partir do aumento da demanda por produtos de qualidade diferenciada.
Por Flávia Madureira
Processo secular, com o cultivo tendo sido iniciado ainda no período colonial. A partir da primeira muda plantada em solo nacional, em 1727, o grão foi sendo disseminado por uma extensão maior do território e se tornou um dos expoentes da economia.
Hoje, o país é o maior produtor de café do mundo, sendo a origem de 38% do total global. Para além da exportação, o consumo interno também é notório, visto que o Brasil é o segundo maior consumidor da bebida no mundo, em volume, conforme o Ministério da Agricultura e Pecuária.
No entanto, os padrões nos quais os brasileiros aproveitam a bebida têm mudado. O tradicional cafezinho coado tem aberto espaço para novas formas de consumo, que incluem uma variedade de técnicas e de tipos de grãos utilizados no preparo, e sobretudo uma atenção maior à sua qualidade.
O próprio período da pandemia provocou algumas mudanças nesse sentido.
Segundo Vagner Benezath, proprietário da Kaffa Cafeteria, em Vitória, no Espírito Santo, a necessidade de se consumir a bebida dentro de casa fez com que o público aprendesse mais sobre o assunto e ganhasse mais conhecimento, passando também a buscar informações como a origem do produto consumido. Isso fez com que o retorno após esse período fosse de grande força para o mercado de cafés especiais no setor de alimentação fora do lar.
Vagner explica que esse salto na preocupação do cliente com a qualidade do café acarreta ainda um efeito sobre os demais itens no cardápio de estabelecimentos do segmento.
“Não só em cafeterias, mas também em restaurantes, a tendência é elevar o nível como um todo. Por que não oferecer uma refeição de qualidade em todas as etapas, terminando com o café? Se você já compra bons insumos e usa técnicas legais nos seus pratos, não faz sentido servir, em seguida, um café ruim; e vice-versa”, expõe.
Apesar de a demanda por cafés especiais ter crescido, em função da informação estar mais acessível e ter alcançado um público maior, o segmento também lida com desafios. As mudanças climáticas têm interferido fortemente no cultivo do grão, e eventos que vão desde secas a tempestades tendem a gerar quebras de safra.
Além da variação na qualidade do grão produzido, o preço do insumo também é afetado, o que gera um desafio quando se trata de manter a competitividade. Por essa razão, a relação com fornecedores se torna um ponto de atenção ainda maior. Vagner conta que, na Kaffa, ela se torna ainda um fator que agrega mais valor ao seu produto.
Além da negociação mais próxima com o produtor, ele conta que as fazendas de onde compra os insumos, por serem menores, têm a vantagem de um manejo mais cuidadoso. Elas também se dedicam a um cultivo baseado em suplementação do solo e das plantas em detrimento do uso de agrotóxicos em grandes quantidades.
Essa questão da origem e da valorização de produtores locais também é um ponto que reflete no relacionamento com o cliente, que tem demonstrado essa preocupação. Vagner explica que o perfil de consumidores é mais jovem:
"O cliente mais velho tem uma resistência maior à mudança. Se por um lado o mais jovem sabe buscar quais os tipos de café, origens e os métodos da loja e é o grande impulsionador desse mercado, por outro nós também temos um cuidado no atendimento ao cliente que quer ‘só um café’."
Outra característica do público mais jovem é se atentar aos valores das marcas, como por exemplo o compromisso com o meio ambiente. Esse se torna, então, um elemento importante da comunicação com o cliente. Na Kaffa, existe um cuidado de apresentar os produtores e as fazendas que fornecem o insumo; uma ação de valorização da origem e de aproximação com o consumidor final.
Outro cuidado nesse sentido é o treinamento de funcionários, que envolve não apenas a capacitação para o preparo, mas também um aprendizado sobre as variedades dos produtos da casa.
Vagner explica que também estende o treinamento teórico aos garçons, para que possam conhecer bem o cardápio se comunicar melhor com o cliente. Ele aponta que esse conhecimento é um diferencial, mas que por isso também pode ser um ponto desafiador quando se trata da contratação de freelancers.
A comunicação com o cliente na loja também é um momento para valorizar o produto. O café especial proporciona um tíquete médio maior, já que cada xícara tem embutida no preço a superioridade em qualidade e sabor, aspectos que também são o ponto chave para a fidelização do cliente.
A vez das cápsulas
Os novos modelos de consumo de café se atentam à qualidade, mas também à praticidade. A dose única, também chamada monodose, é um exemplo bem-sucedido da união das duas propriedades. A popularidade das cápsulas segue em expansão, uma tendência observada mundialmente.
Com a quebra da patente da cápsula em 2013, a entrada de novos players no mercado tem estimulado a competitividade e atraído a atenção de grandes empresas, levando a uma significativa movimentação de investimentos. O modelo de café em cápsulas tem conquistado uma parcela dos consumidores dos cafés tradicionalmente comercializados no varejo, por vantagens que ultrapassam o fator qualidade.
Fernando Margotto, diretor comercial da Moccato, marca nacional de cafés criada em 2012, destaca que as cápsulas proporcionam uma otimização do consumo. Além de simplificar o preparo ao aperto de um botão, elas conseguem englobar uma variedade de cafés capaz de atender ao gosto de qualquer pessoa, o que impulsiona a capilarização do consumo e converte o interesse do consumidor pelas diferentes possibilidades em vendas.
Ele explica que em contraponto ao produto servido nas cafeterias, cujo preço pode ser um empecilho para o consumidor final e que gera desafios para manter a competitividade, a cápsula é uma alternativa mais democrática.
O processo de fabricação hermético impede a oxidação e o envelhecimento do café. Assim, ele mantém a qualidade por mais tempo e tem um prazo maior para ser consumido. Em bares e restaurantes, isso se torna uma vantagem em relação ao giro do estoque e minimiza o desperdício.
Outro grande benefício do modelo é a padronização da qualidade. “A grande sacada da cápsula é que você não precisa de um barista para ter um café perfeito. Isso cria uma segurança muito grande. E com cada cápsula é uma venda, o estabelecimento consegue manter um controle exato do estoque com a segurança da estabilidade desse produto”, afirma Fernando.
Direcionamento de mercado
O ganho de interesse do público pelos cafés especiais aponta algumas tendências. Algumas são relacionadas ao produto em si, como o lançamento de edições limitadas conforme a safra, por origem ou novos blends, e outras são ligadas a inovações no setor, como o desenvolvimento de tecnologias e uso de novos materiais mais sustentáveis.
E embora eventos climáticos gerem incertezas, a tendência é que essa procura do consumidor pela qualidade seja crescente. Para Vagner, da Kaffa, quem passa a tomar cafés especiais não deixa de considerar a sua superioridade em relação ao tradicional cafezinho coado e não volta atrás.
*Adaptado da publicação original na edição 157 da Bares&Restaurantes