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Por Paula Antonacci

Em sua quarta edição, Feira Internacional de Gastronomia Amazônica reúne grandes chefs, empresários, pesquisadores e fornecedores para apresentar novidades do mercado e gerar qualificação para o setor

A Amazônia é o maior bioma brasileiro e envolve outros oito países da América Latina, contendo uma biodiversidade inigualável, com forte potencial de influência na gastronomia desses e de outros países.

De acordo com a Embrapa, na Amazônia brasileira concentram se 44% das 500 espécies de frutas nativas do Brasil. Estudos mencionam a existência de 220 plantas produtoras de frutos comestíveis na região, mas ainda pouco se estuda e é disseminado o uso dessa riqueza natural na alimentação, principalmente na gastronomia dos estabelecimentos do setor de alimentação fora do lar.

Para apresentar parte dessa realidade, promover a troca de conhecimento, experiências e oportunidades de negócio entre representantes da cadeia do setor de alimentação fora do lar, a Abrasel promove a cada dois anos, a Feira Internacional de Gastronomia Amazônica (FIGA).

A quarta edição do evento foi realizada no Centro de Convenções Vasco Vasques, em Manaus (AM), entre os dias 21 e 23 de outubro e proporcionou aos participantes muito aprendizado em dezenas de aulas de gastronomia e palestras, com empresários, pesquisadores e chefs nacionais e internacionais e acesso a mais de 80 fornecedores na feira de negócios.

Idealizada em 2015 por Marcos Valle, associado da Abrasel no Amazonas, a feira tem como objetivos principais aumentar o conhecimento, fomento, resgate e preservação da gastronomia amazônica.

Conhecimento e resgate

Dividida em dois ambientes, o “Salão dos Saberes”, onde aconteceram as palestras, e o “Salão dos Sabores”, que recebeu as aulas de gastronomia, a FIGA promoveu importantes debates e inclusão de técnicas, ingredientes e cultura amazônica não só para profissionais e empreendedores do setor, mas também para estudantes de gastronomia.

A troca entre os participantes valorizou principalmente as diferentes oportunidades de uso dos alimentos locais para criação de pratos diversificados e a quebra de estigmas culturais.

Dentre as receitas que mais chamaram a atenção, estavam o sorvete da folha de Coca, apresentada pelo chef colombiano, Eduardo Martinez, que ao contrário de entendimentos populares, não é prejudicial, nem confere efeitos alucinógenos ao organismo; e as receitas com o uso da formiga saúva/ maniuara, que apesar de muito tradicional entre a comunidade indígena, é pouco conhecida e explorada nos centros urbanos.

E não é só pelos palestrantes que o conhecimento pode ser adquirido na Feira. Uma das participantes, chef e empresária de Manaus, é apoiadora nas pesquisas da propriedade da formiga saúva.

Na busca por conhecimento dos hábitos alimentares indígenas, a chef Elisângela Valle participou de uma expedição com a equipe do Sebrae para São Gabriel da cachoeira e lá observou o hábito de comer formiga, não como item de decoração no prato, mas como alimento tradicional.

“Foi feita uma análise centesimal da formiga maniuara e analisamos que tem muita proteína, vitamina A e tem também quitina. Isso serve para identificar também o que é ruim para nós. A formiga por exemplo, por ter quitina, gera o mesmo efeito alérgico que os frutos do mar”, explica a empresária.

A pesquisa está sendo utilizada para o desenvolvimento de novos produtos e também resultou no convite da chef como presidente da delegação da Amazônia no Congresso de Ciência e Cozinha que será realizado em Barcelona, na Espanha.

Para quem tem interesse em conhecer melhor a gastronomia do interior do Amazonas, ela conta que a partir de 2022 estão previstas expedições com chefs e jornalistas para a cidade de São Gabriel.

Fortalecendo os conhecimentos indígenas na FIGA, os chefs Dona Clarinda e João Paulo Barreto apresentaram a Quinhapira, prato típico das famílias da região e tiveram a oportunidade de explicar para os participantes um pouco das tradições indígenas ligadas à alimentação.

Também estiveram presentes chefs de outros estados da Amazônia, como Léo Modesto, representante do interior do Pará, que reforçou a importância do evento para a valorização e perpetuação dos conhecimentos para as novas gerações.

“É uma honra estar em uma feira internacional e mostrar que temos técnicas gastronômicas ancestrais muito valiosas. Hoje posso dizer que tenho voz, o que por muito tempo não tive e sempre tinha alguém ditando as regras”. Apesar de não querer invalidar a cozinha internacional, já inserida no nosso cotidiano, ele defende um olhar mais constante e curioso para os nossos costumes.

“Muitas vezes temos eles como perdidos e aí voltamos a falar de ‘resgate’ e eu não quero falar de resgate quando isso nunca foi perdido, porque nossas mães, avós, nunca deixaram de fazer isso, e se faz parte do cotidiano não é resgate, é uma manutenção”, defende.

Léo é de Curuça e aprendeu com a mãe as técnicas de produção de farinha, beiju, tucupi amarelo e melaço de madiocaba e a partir daí começou a produzir novos produtos que foram apresentados na FIGA, como o vinagre de mandioca.

O que a princípio seria um produto perdido, porque não era para ter sido fermentado, acabou virando um queridinho em suas receitas e por isso defende o hábito de pesquisa e entendimento dos ingredientes entre os cozinheiros.

Ele ainda reforça sobre a importância de replicar eventos sobre a gastronomia amazônica em outros estados: “Precisamos difundir mais esse tipo de evento em outros estados. Acho que seria muito válido não só as pessoas virem conhecer mas poder levar essa experiência para outras regiões”.

"No Salão dos Saberes foram realizados mais de 10 workshops e palestras para os participantes, dentre elas a de segurança dos alimentos, pelo consultor e especialista da Rede Abrasel, Gabriel Oliveira"

Fomento e apoio

Um dos objetivos da FIGA é fomentar a rede de relacionamento entre todos que participam da cadeia de abastecimento e prestação de serviços dos restaurantes e apoiar iniciativas que colaborem para iniciar o Amazonas no turismo da alta gastronomia.

Por isso, além das palestras e aulas de gastronomia, os visitantes participam de rodadas de negócio, com a mediação do Sebrae e podem visitar e ter acesso a diversas marcas na feira.

Uma das marcas presente na FIGA é a Jambucana, linha de cachaças produzidas pela Cachaçaria do Dedé, que além de estar presente em todos os anos, nasceu junto com a Feira, já que foi lançada na primeira edição do evento, em 2015. “Apesar de ter outras cachaças de jambu no mercado, a Jambucana é a primeira a ter a aprovação do MAPA.

E eu tive a sorte de um mês antes do evento ter saído a autorização e poder fazer esse lançamento na feira e foi um sucesso, hoje está entre as cinco cachaças mais vendidas do Brasil”, conta Dedé Parentes, idealizador da linha, que desde então, traz um novo produto para lançamento em cada edição.

Nesta, foi apresentada a cerveja de jambu. “Eu não queria ligar a Jambucana ao meu nome, porque eu queria que ela fosse um instrumento para divulgar a Amazônia de alguma forma.E aí para a marca Jambucana e para a marca FIGA, esse casamento foi muito significativo”, complementa.

Além das vendas realizadas na feira, a criação de conexões e novas oportunidades se concretizou de uma forma muito clara no encontro da chef e palestrante Carolina Oda com Ricardo Miranda, colaborador do restaurante Tambaqui de Banda.

Durante a FIGA, a organização do evento realiza um tour com chefs e jornalistas convidados para apresentar alguns estabelecimentos de Manaus, foi nesse passeio que a palestrante foi apresentada à nova invenção da casa: o moscow mule com espuma de xarope de formiga, desenvolvido por Ricardo, e logo o convidou para fazer a demonstração em sua palestra sobre o uso de bebidas como alavancas sustentáveis, que seria realizada no dia seguinte.

Gil Guimarães, proprietário de um conjunto de empreendimentos em Brasília e São Paulo, foi palestrante no evento mas também afirma ter levado uma experiência enriquecedora da sua segunda visita à Manaus.

“Todo dia é uma descoberta, nos restaurantes que a gente visita, na feira, nos passeios culturais e fico pensando o quanto de coisa ainda está ‘escondida’ por aí. Eu já levei muita coisa para o meu cardápio, como o tucupi e o jambu e agora quero testar o arubé”, conta.

E não foram só chefs e donos de bares e restaurantes que aproveitaram do conhecimento compartilhado na FIGA. Bem atentos e participativos, a feira registrou a presença de centenas de alunos de gastronomia em busca de qualificação. Wilds Clay foi uma delas.

Estudante de gastronomia do último período pretende abrir um delivery de comida caseira e deixou registrada sua satisfação: “É uma oportunidade muito boa porque nossa profissão temos sempre que renovar o conhecimento e aqui temos aulas gratuitas e de qualidade. Pretendo estudar um pouco mais aqui para posteriormente fazer um curso no exterior.Recomendo que quem puder venha”.

Para o presidente da Abrasel, Fábio Cunha, o evento foi um sucesso e carimba a missão da Abrasel de desenvolver e representar o setor de alimentação fora do lar.

“Acho que mais uma vez, a FIGA cumpriu seu papel de integrar todo o setor e trazer excelentes novidades de fora mas também conectar a região, trazendo os produtores rurais, os chefs de comunidades indígenas, contribuindo levar a Amazônia para outros estados e para o resto do mundo”, comemora.

Passaram pela feira nos três dias de evento, mais de 10 mil pessoas, que contaram com orientações e equipe de apoio para que fossem seguidos todos os protocolos de segurança determinados na região.

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