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Do hambúrguer vegetal ao delivery, startups brasileiras trazem tecnologia disruptiva à indústria de alimentação

Sanduíche com hambúrguer vegetal do Restaurante da Cidade

Danilo Viegas

Novas formas de produzir, vender e servir alimentos. É assim que as foodtechs estão reconfigurando o universo da alimentação. Além de diminuir custos e levar mais praticidade para o dia a dia, a tecnologia aplicada em diferentes pontos do setor alimentício também desempenha um papel fundamental na sustentabilidade, na qualidade dos produtos e na vida das pessoas, desde a agricultura, passando pela produção dos alimentos, cadeia de fornecimento e o canal de distribuição.

A inovação tecnológica chega com força em 2019 aos pratos dos brasileiros e vem se tornando um importante aliado aos empresários do setor de alimentação fora do lar que que entendem a mudança de hábitos dos consumidores e desejam otimizar cada vez mais seus negócios, seja nos modelos de entrega, atendimento, logística inteligente, reciclagem, varejo ou até mesmo em processamento de alimentos.

Por trás dessa mudança estão empresas - geralmente startups - que utilizam a tecnologia para inovar, de forma disruptiva, o setor alimentício. Para uns, o que vem à cabeça são aplicativos de delivery; para outros, criações como carnes vegetais ou feitas em laboratório. Tudo isso é foodtech, mas o termo é ainda mais abrangente e visa alcançar toda a cadeia alimentar.

O nome vem na esteira de outros, como fintech (setor financeiro) e insurtech (seguros). Na maioria dos casos o uso do tech como sufixo tem razão de ser: por causa da exponencialidade, a velocidade ultra acelerada com que as tecnologias têm evoluído nas últimas décadas. Explicando melhor: uma nova leva de empreendedores percebeu que podia colocar de cabeça para baixo negócios presos à tradição e inventar formas diferentes de fazer negócios.

Isso significa que dentro do conceito de foodtech podem haver empresas que fazem uso de automação, softwares, internet das coisas e análise de big data em fazendas de gado e agricultura (com o objetivo de torná-las mais sustentáveis), plataformas para conexão direta entre produtores e consumidores, soluções para a redução de desperdício de alimento e também para a reciclagem de embalagens.

Carolina Bajarunas, do Foodtech Movement

E essas são apenas algumas das pelo menos 14 categorias elencadas pelo Foodtech Movement, organização idealizada pela consultoria Construtoria Builders que visa repensar a cadeia do alimento gerando inovação prática. O movimento tem como objetivo conectar os diversos atores dessa cadeia e promover a discussão sobre o assunto, criando assim condições favoráveis para que empreendedores e novos negócios possam se desenvolver. Seu último levantamento mapeou 332 negócios brasileiros no setor de Foodtechs. Para se ter uma ideia, no começo de 2018, o número era de 53 empresas.

“Apesar do número crescente, estamos cerca de 10 anos atrasados em relação a outros países mais desenvolvidos nesta questão, como Israel, Alemanha, Holanda ou Estados Unidos. Mas o importante é que estamos andando”, afirma Carolina Bajarunas, fundadora do Foodtech Movement.

Para Carolina, as foodtechs hoje no Brasil estão deixando de se concentrar apenas no ramo de aplicativos de entrega, embora a mudança de hábitos dos consumidores seja mais reticente fora das grandes metrópoles. Ainda assim, o mercado é promissor. “Nas capitais temos mais acesso a informação. As pessoas estão mais interessadas em pensar o que estão consumindo e cobram mudanças das indústrias. Há um apetite pelo novo. Quando falamos de grande massa, as pessoas são naturalmente mais desconfiadas e optam pelo tradicionalismo”, diz.

Experiência melhor para o consumidor, mais informações ao empresário

A startup Ouvimos Você monitora por meio de um aplicativo, em tempo real, a satisfação dos clientes em restaurantes

Além das inovações em alimentos, várias startups estão focadas em melhorar a relação de empresários e clientes com o setor alimentício. “Já existem serviços que conectam os empresários aos pequenos produtores, outras que oferecem produtos personalizados, para pessoas com intolerância a lactose, por exemplo. Em algum tempo, veremos transformações desde o plantio do alimento até o reaproveitamento lá no final da cadeia, evitando o problema do desperdício”, aponta Carolina.

É o caso do Preço Certo, startup de gestão e precificação que forma preços ideais para produtos, fazendo com que o estabelecimento lucre mais e ganhe em competitividade. “Sete em dez empresários têm dificuldade em saber qual é o seu lucro, seja ela com produto ou em serviço oferecido. Este número salta para nove em cada dez empresários quando a pergunta é qual o capital de giro da sua empresa. A Preço Certo nasceu para auxiliar esses empresários a formar preços e ver qual o impacto destes indicadores no crescimento sustentável da sua empresa” revela Marcelo Roque, CEO da Preço Certo.

Segundo o CEO, a maioria dos empresários está sempre buscando uma fórmula mágica para vender mais, esquecendo-se do principal fator responsável pelo crescimento e validação do negócio, a margem de contribuição.

Outra empresa que merece destaque quando o assunto é disponibilização de informação ao empresário é a Ouvimos Você, capitaneada por Brunno Araújo. A startup acompanha a satisfação do cliente no bar ou restaurante em tempo real e promete reduzir em até 95% as críticas aos estabelecimentos nas redes sociais.

Como funciona? O cliente avalia o atendimento respondendo uma pesquisa pelo próprio celular, através de links via SMS, e-mail, WhatsApp, QR Codes, tablets, displays ou totens no estabelecimento. A equipe do empreendimento analisa as avaliações e visualiza o grau de satisfação dos clientes e principais pontos de melhoria do negócio por meio de indicadores precisos, em tempo real. Por fim, a plataforma desenvolve ações rápidas para engajar, fidelizar e recuperar clientes, como por exemplo a criação de vouchers com desconto e benefícios definidos pelo empresário.

“A lógica de negócios de uma startup faz com que ela tenha muito menos amarras e muito mais foco em soluções específicas e de problemas práticos. Além disso, a própria dinâmica de seleção que o mercado exerce faz com que essas empresas realizem ajustes de maneira muito rápida, moldando soluções muito mais eficientes”, diz Leo Soltz, idealizador do Startup Show, competição entre iniciativas digitais de todo o país. “As foodtechs têm um grande espaço para crescer, pois o mercado onde elas atuam é carente de inovação”, completa Soltz.

Carnes de origem vegetal: uma solução disruptiva

“Tornando frigoríficos obsoletos desde 2019”. Foi com esse e outros fortes slogans que a Fazendo Futuro mostrou ao mercado brasileiro seu desejo de criar uma verdadeira revolução no setor alimentício. Com a união entre tecnologia e sustentabilidade, a empresa é a primeira foodtech brasileira a desenvolver hambúrgueres a partir de vegetais.

Fundada por Marcos Leta, criador da marca de sucos Do Bem, a Fazenda do Futuro se inspirou em empresas internacionais como a startup estadunidense Impossible Foods para desenvolver seu primeiro produto, o Futuro Burger.

Interesse de gigantes do setor

Enquanto as startups avançam, as gigantes vão na cola. A receita de hambúrguer da Fazenda Futuro fez tanto sucesso que está sendo inserida até na rede Burger King. Em outubro, a gigante do fast food anunciou que o Rebel Whopper, sanduíche feito com um hambúrguer à base de plantas, está disponível em todas as lojas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Isso significa que 463 restaurantes da franquia passam a ter o novo hambúrguer vegano entre os produtos do cardápio. Anteriormente, apenas algumas unidades destes estados tinham o produto.

De acordo com o Burger King, a aceitação maior que o esperado inicialmente fez com que a novidade fosse distribuída em mais lojas. De acordo com Iuri Miranda, CEO do Burger King no Brasil, o mercado brasileiro é interessante para a expansão desse novo produto por conta do interesse e da disposição do consumidor. “Conduzimos pesquisas com consumidores brasileiros e o interesse e a disposição por comprar produtos plant-based chega a ser maior do que países como China, USA ou Inglaterra”, explicou o executivo em um comunicado à imprensa.

Marcos Leta teve contato com o universo das foodtechs e se impressionou com o mercado plant based. Semelhante ao veganismo, o plant based é um conceito de alimentação que exclui qualquer tipo de produto de origem animal.

Com produção em Volta Redonda, no Rio de Janeiro, o Futuro Burger é feito a partir de proteína de ervilha, proteína isolada de soja e de grão-de-bico, além de beterraba para dar cor. “Todos são ingredientes de qualidade e livres de transgênicos. É uma alternativa mais sustentável não só para veganos e vegetarianos, mas também para quem deseja consumir menos carne”, afirma Leta.

Outra similaridade é em relação ao índice proteico. O Futuro Burger leva 17 gramas de proteína. “Há todo um cuidado para reproduzir uma versão com valor nutricional muito próximo ao da carne vermelha. Trazemos a mesma quantidade de proteínas, mas reduzimos a gordura”.

Segundo Leta, a revolução alimentar com produtos que oferecem o mesmo sabor e textura dos de origem animal já é uma realidade. Lá fora, a Impossible Foods, pioneira das carnes vegetais, acaba de ganhar o prêmio Global Climate Action Award da ONU, categoria que reconhece soluções para a crise climática. Cada quilo de Impossible Meat consumida no lugar de carne animal poupa cerca de 30 metros quadrados de floresta – o que seria necessário para neutralizar o carbono gerado na produção do bife. Nos Estados Unidos também existe o Beyond Burger.

Até hoje, a Fazenda Futuro já vendeu 2 milhões de unidades de seu hambúrguer e está presente em mais de 4 mil pontos de venda no Brasil. “Ao contrário da indústria tradicional, nós temos agilidade para aprimorar nosso produto. Não vamos esperar cinco anos para um novo lançamento", diz Leta. “Além disso, se o Brasil é referência na exportação de carne bovina para outros mercados, queremos nos tornar referência na exportação de hambúrguer feito de plantas”.

No Brasil, a Behind the Foods, criada pelo paulistano Leandro Mendes, pretende começar a vender as suas réplicas de carne de base vegetal a partir de maio. Carolina Bajarunas acredita que haverá mercado para muitos competidores. Afinal, espera-se que 1% do mercado de proteína animal seja substituído dentro dos próximos três anos. Não por acaso, a Nestlé anunciou que vai criar uma rival para as carnes de laboratórios das startups: o Incredible Burger, feito de soja e trigo e inspirado no produto da Impossible Foods que se chama Impossible Burger. A Nestlé espera faturar US$ 1 bilhão em até 10 anos com alimentos vegetais.

O desafio, segundo Carolina, é também sustentável. “Já pensou no tamanho do desafio que temos pela frente para alimentar o mundo?”. Até 2050, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que a produção mundial de alimentos deverá crescer cerca de 70% para conseguir acompanhar o crescimento da população mundial, que deverá atingir os 9 bilhões de pessoas. Desafio esse que exige de todas as partes envolvidas na cadeia do alimento uma consciência e busca cada vez maior por meios de produção e consumo mais sustentáveis.

Segundo o empresário Célio Salles, membro do Conselho de Administração da Abrasel, é inegável o impacto dos produtos plant-based e a curiosidade que despertam nos consumidores, resta apenas saber se de fato essa novidade chega como tendência ou mero modismo. “As empresas têm o desafio de oferecer estes produtos a preços mais competitivos, mas pelo viés de gestão, empreendedores de bares e restaurantes devem se manter atentos para transformarem esse consumo em novas oportunidades de negócio, testarem e avaliarem o retorno”, resume.

Mas o que são carnes de origem não-animal?

São produtos plant-based ou cell-based, 100% livres de ingredientes de origem animal. Eles têm a proposta de imitar carne vermelha (fora do Brasil também existe versão de peixe, presunto..) em aparência, sabor e textura. Além de interessantes e modernos, esses produtos são infinitamente mais sustentáveis.

Delivery por aplicativo: o maior exemplo de foodtech

Carlos Moyses, CEO do iFood

A maior e mais conhecida foodtech brasileira é o iFood, que faz entregas por meio de aplicativos, atende 500 mil pedidos por dia e tem 10,8 milhões de clientes cadastrados e foi também a primeira startup unicórnio no Brasil. Unicórnio são as empresas de tecnologia privadas avaliadas em mais de um bilhão de dólares antes de abrir seu capital em bolsas de valores, ou seja, antes de realizar o IPO (Initial Public Offering). A principal característica de uma startup unicórnio é a inovação no mercado em que pertence.

“O mercado de delivery ainda tem muito espaço para crescer e queremos continuar protagonizando essa revolução”, diz Carlos Moyses, CEO do iFood. “Impulsionar essa transformação significa desenvolver todo o ecossistema de entrega de refeições, gerando melhor experiência aos consumidores, restaurantes e entregadores”.

Empresa se prepara para se tornar um meio de pagamento

Quando o iFood começou a operar, em 2011, os entregadores levavam, junto com o pedido, a máquina de cartões para o pagamento. Além de entregar a comida em tempo hábil, eles tinham que se preocupar com burocracias como as bandeiras de cartão aceitas, se havia papel na bobina e ainda voltar ao restaurante para devolvê-la.

Hoje, essa realidade já está distante e a empresa continua a avançar nos meios de pagamento. Agora, passou a aceitar QR Code, começando a atuar também nos pontos físicos dos restaurantes, não apenas na internet. E indo, mais além, a empresa começou a oferecer crédito para quem deseja abrir novos estabelecimentos.

“Quem quiser abrir um restaurante amanhã, por mais que tenha a renda comprovada, irá sofrer para conseguir crédito. Por exemplo: nós sabemos que, em São Paulo, na Zona Norte, tem gente querendo comprar comida tailandesa e não tem muitos restaurantes. Se tiver dois ou três ótimos, conseguimos financiar com a garantia que ele terá pedidos em uma loja nova – isso é algo que o banco não consegue oferecer”, explicou Thomas Barth, CFO da Movile, holding do iFood, duranteo evento Innovationpay da StartSe, em setembro. Sinal de que a revolução foodtech está só no começo.

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