Notice: Undefined variable: base in /var/abrasel.com.br/revista/site/templates/head.inc on line 67

As mutações do tempo e a índole vanguardista desde os primeiros passos

Foto: Paulo PSilva / Paulo Solmucci, presidente executivo da Abrasel

A Abrasel nasceu em 1986, no ano do Plano Cruzado, como uma entidade centralizada nas grandes capitais e assentada neste tripé: lazer, entretenimento e gastronomia de renomados chefs.

Assim perdurou durante uma década. Seu foco era o topo da pirâmide socioeconômica do país. Em 1995, logo após o lançamento do Plano Real, houve uma leve, guinada, que persistiria nos anos seguintes.

Começou a incorporar ao seu rol de associados os bares e restaurantes das ruas de um crescente número de cidades brasileiras.

Em 2003, quando Fernando Henrique Cardoso passou a faixa ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o campo de abrangência da Abrasel já vinha se estendendo às favelas e periferias urbanas.

A instituição claramente assumiu, desta forma, o compromisso de representar todo o setor da alimentação fora do lar, nele incluindo, além de bares e restaurantes, os demais perfis de estabelecimentos – lanchonetes, cafés, bistrôs, botecos, quiosques e trailers de lanches.

“Na verdade”, diz o presidente da entidade, Paulo Solmucci, “a Abrasel tinha sido criada, há 35 anos, por uma demanda da Embratur”.

No seu estatuto original, recebeu o nome de Associação Brasileira de Entretenimento e Lazer. A prioridade da Embratur, na promoção do turismo daquela época, era estimular, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, as sofisticadas boates e os respectivos reis da noite, como Ricardo Amaral (fundador da ‘Hippopotamus’, entre outros estabelecimentos do gênero) e Chico Recarey (Scala).

Um dos que pioneiramente já haviam se destacado entre os ‘reis da noite’ foi o carioca Osvaldo Sargentelli, falecido em 2002, aos 78 anos de idade.

Ele projetou-se nacionalmente, no período 1960/70, como produtor dos shows, nas suas casas ‘Sambão’, ‘Sucata’ e ‘Oba-Oba’, em que as atrações eram as “mulatas do Sargentelli”.

O termo “mulata” acabou tornando-se pejorativo, porque seria alusão à mula, ao cruzamento de égua e burro, híbrido de preto e branco. Os apelos à sensualidade tornaram-se recorrentes.

De 1966 até meados dos anos 1990, faziam-se campanhas publicitárias, no Brasil e no exterior, expondo mulheres de biquíni como as atrações turísticas do país.

Assim que assumiu o ministério do Turismo, em 2003, Walfrido dos Mares Guia empenhou-se em apagar o legado da imagem do Brasil associada à mulher sensual, no carnaval e na praia.

Junto com a Polícia Federal e com as organizações não governamentais, Mares Guia deflagrou uma investida contra o apelo turístico associado à prostituição.

No mesmo tom, o atual governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), comandou a Embratur no período 2011/14. Ao longo de sua presidência na Embratur, Flávio Dino se opôs à vulgarização daqueles divulgadores do turismo.

“A Embratur trabalha para combater esse tipo de caso, principalmente no que diz respeito à mercantilização e comercialização do corpo da mulher. O povo brasileiro e, especialmente, a mulher brasileira merecem respeito”, afirmou.

Nas duas décadas anteriores à virada do milênio (nos anos 1980 e 1990), os segmentos da cultura e das ciências brasileiras já transmitiam ao mundo os cenários de um país exuberante na natureza e rico nas manifestações culturais.

Do boteco à alta gastronomia, um país bonito por natureza

Em 1972, a música ‘Águas de Março’ composta por Antônio Carlos Jobim lançou luzes sobre um Brasil oceânico, fluvial, exuberante nas florestas urbanas do Rio de Janeiro, na alegria e nas tradições populares.

“É peroba no campo, é o nó da madeira. Caingá, candeia, é o matita-pereira. É madeira de vento, tombo da ribanceira. É o mistério profundo, é o queira ou não queira. É o vento ventando, é o fim da ladeira. É a viga, é o vão, festa da cumeeira”.

A Coca Cola veiculou uma campanha mundial, em 1986, com a trilha sonora da música. Jobim tinha feito a versão da letra para o inglês.

A Abrasel nasceu quando ‘Waters of March’ de Jobim se espalhara pelo planeta, nas vozes de Art Garfunkel, All Jarreau, Ella Fitzgerald e Dionne Warwick. Elaborou-se, também, uma versão em francês (‘Eaux de Mars’), cantada por George Moustaki e pela americana Stace Kent.

As composições românticas de Jobim como a balanceada ‘Garota de Ipanema’ (a segunda mais gravada, no mundo, depois de ‘Yesterday’, de Paul McCartney) formavam, juntas com as melodias inspiradas no meio ambiente, o eixo da sua obra. Ele dizia: "A minha música tem muito da ecologia, do céu, do mar, dos bichos".

A abordagem da propaganda turística do Brasil é, hoje, a do ecoturismo e da vasta diversidade natural de vários biomas, entre os quais os da Amazônia, da Mata Atlântica e do Pantanal, destacando-se, ainda, o arquipélago de Fernando de Noronha e as Cataratas do Iguaçu, a vasta flora e fauna, as araras, os golfinhos, as vitórias régias.

Nos anos 1990, o país inseria-se no mundo com uma linguagem mais edificante. Ao mesmo tempo, abraçava com vigor as novidades globalizantes da internet, telefonia móvel e tevê a cabo.

Cortava-se de vez o cordão umbilical de uma associação gestada no lazer e entretenimento à moda antiga, com as boates dos reis da noite, os shows carregados de uma sensualidade vinda dos tempos da casa grande e senzala.

A Abrasel desenvolveu-se fora desse útero, democraticamente apoiando botecos, bares, restaurantes, lanchonetes, cafeterias, quiosques, bistrôs, a alta gastronomia e, inclusive, as grandes redes nacionais que abriram casas no exterior.

Planos estratégicos alinhados no prumo dos novos tempos

Corrigiu-se a certidão de nascimento da Abrasel em uma quinta-feira, no dia primeiro de abril de 2004.

Passou a se chamar Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, bem de acordo com uma associação que representa, indistintamente, todo o setor da alimentação fora do lar.

No ano 2000, as lideranças representativas desse universo de associados e representados modelaram o primeiro plano estratégico da entidade.

Em 2001, veio um estatuto com princípios horizontais, visceralmente federativos, descentralizados, enraizados no território nacional.

A Abrasel não cessa de se espalhar no país. Neste momento, são 58 polos de seccionais e regionais
nas 27 unidades da Federação. O que prevalece, hoje, é que nada será como antes, amanhã ou depois de amanhã.

“A Abrasel é flexível, abarcando empreendedores de todos os portes, desde o que se situam no regime tributário do MEI e do Simples, até os grandes empresários, que atravessam as fronteiras de seus estados de origem e do nosso país. Tornamo-nos cada vez mais a voz das ruas. Não nos submetemos ao corporativismo estatal ou ao fundamentalismo do mercado. Expressamos os sentimentos de toda a sociedade”, diz Paulo Solmucci.

Ele afirma que as inovações da Abrasel, desde os seus primórdios, vieram de acordo com o espírito do tempo.

“Gosto muito de uma frase de Victor Hugo, que é a seguinte:‘Nada é tão forte como uma ideia cujo tempo chegou’.

A Abrasel do entretenimento e do lazer surgiu do jeito que ditavam as circunstâncias da época. Veio à luz com uma inteligência inata, com enorme capacidade de percepção das mudanças nos rumos da história do Brasil e da humanidade.

Com uma gestão compartilhada, baseada em conhecimento e tecnologia, além de se encaixar nas circunstâncias de cada momento da história, tornou-se de vanguarda, antecipando-se ao fluxo dos acontecimentos”.

A influência da Abrasel é um valor nacionalmente percebido

Em 2011, uma década após o primeiro plano estratégico, estava evidente, tanto para o público interno quanto para as demais partes interessadas, que, mais do que evoluir de acordo com o ‘zeitgeist’ (o espírito da época), a Abrasel se colocava na linha de frente do associativismo empresarial.

Era preciso, portanto, que se reconhecesse a entidade como uma das dez mais influentes no universo empresarial do país.

Com esse objetivo, as seccionais, regionais e o Conselho Nacional de Administração, sob a coordenação da presidência executiva da Abrasel, debateram e definiram o segundo plano estratégico da associação (internamente denominado Centúria), que vigorou no período 2011/2015.

Deflagrou-se um esforço concentrado com esse propósito, intensificando-se as interações com as lideranças nacionais do terceiro setor, do universo empresarial e do poder público. Partia-se da máxima de que o valor só existe, de fato, se for percebido.

Em 2013, a Abrasel alcançou o sonho que parecia impossível. Conseguiu que o Banco Central passasse a supervisionar as empresas atuantes no setor de cartões de crédito, que, até aquele ano, atuavam ao léu, sem qualquer fiscalização.

A medida beneficiava, indistintamente, quaisquer usuários de cartões, todos os segmentos da atividade humana no Brasil inteiro. O efeito do plano estratégico propagou-se continuadamente em seguidas ondas, como relatou Solmucci:

“Conquistas de grandes portes, não só para o setor da alimentação fora do lar, mas para a sociedade brasileira em geral, continuaram sendo alcançadas. Em 2016, em fina sintonia com a Frente Parlamentar do Comércio e dos Serviços, e com o maior defensor e impulsionador nacional do pequeno e médio empreender na história do país, que é o Guilherme Afif, conseguimos que o Congresso Nacional aprovasse a elevação do limite do Supersimples. Em junho daquele ano, o limite foi ampliado de três milhões e seiscentos mil reais para quatro milhões e oitocentos mil. A Abrasel já era amplamente percebida como uma das dez entidades de classe mais influentes do país”.

Relacionamento, capilaridade, comunicação, tecnologia

No ano de 2016, começava o ciclo do terceiro plano estratégico da Abrasel, denominado ‘Supernova’, que se prolongou até 2020. A entidade, como descreveu Solmucci, “mergulhou fundo” na tecnologia digital.

Em janeiro de 2019, foi lançada a plataforma Conexão Abrasel, que estabeleceu uma relação imediata, ‘online’, com associados, clientes, fornecedores, as instituições do terceiro setor e com o mundo oficial.

“Alcançamos o êxito de já termos iniciado um processo que acabará se constituindo como pré-requisito de um novo salto. Seremos uma fábrica de notícias e outros conteúdos. Uma fábrica assentada na plataforma tecnológica advinda do plano Supernova, e decorrente, ainda, do nosso inigualável poder de interação e relacionamento, em escala nacional”.

Concluído o ciclo do plano Supernova (2016/2020), e, também, passada a fase mais crítica da pandemia, iniciou-se o quarto plano estratégico Abrasel. É o ‘Omni’, que abrange o período 2021/2025.

Se o escopo do Supernova era o de, até agora, alcançar as pontas, isto é, chegando a todos, vamos responder às demandas específicas de cada um dos que fazem parte desse todo”.

A Abrasel, seguindo o plano Omni, particularizará as interlocuções com cada um dos empresários e estabelecimentos que estão dentro da sua rede digital. O atendimento individualizado se dará por meio de várias ferramentas tecnológicas, nelas incluindo a Inteligência Artificial.

As camadas de avanços da Abrasel, no espaço de 35 anos, foram se superpondo. Primeiramente, a entidade passou a representar democraticamente todo o setor da alimentação fora do lar. Desta forma, perpetuava-se o caráter inclusivo da entidade.

Concomitantemente, houve e continua havendo o espraiamento no território nacional, por meio das seccionais e regionais presentes nas 27 unidades da Federação (e no interior delas).

Entre os extremos, a Abrasel segue o caminho do meio, sem ser fundamentalista do Estado ou do mercado.

É um posicionamento que se alinha com o que diz Thomas Eckschmidt. Segundo ele, o capitalismo puro e ortodoxo é excelente para produzir riquezas, mas fraco na sua distribuição.

Já o socialismo é estatizante, sendo excelente na distribuição de riqueza, mas incompetente na produção dela.

Eckschmidt é coautor do livro ‘Capitalismo Consciente Guia Prático’, editado no Brasil, e originalmente lançado, em 2018, pela Harvard Business Press. Sua abordagem converge ao que a Abrasel expressou no manifesto “A partir das ruas, simplifica Brasil’.

Nele, não se faz distinção entre as ruas de um vilarejo rural, de uma pequena cidade, de uma favela ou a de um bairro tradicional, das metrópoles ou da sexta megalópole do mundo, que é São Paulo.

O antirracismo e um empreendedorismo forte, que amplie a classe média

Quando a Abrasel se viu vitoriosa no seu esforço de fazer com que o setor de cartões de crédito (que não era submetido a qualquer fiscalização das autoridades monetárias) passasse a ser supervisionado pelo Banco Central, acabou beneficiando a sociedade como um todo.

Igualmente, quando a Abrasel criou e viabilizou a Medida Provisória com vistas a, durante a pandemia, socorrer os empregados dos estabelecimentos afetados pelos fechamentos, não socorreu ex- clusivamente o setor de bares e restaurantes, mas todas os segmentos das atividades econômicas do país.

“A construção de um Brasil novo não é uma plataforma circunstancial da Abrasel. É um propósito, que se pratica diariamente em um conjunto de ações, desde que a entidade, lá nos seus primeiros anos de vida, decidiu que representava os associados e todo o setor da alimentação fora do lar, de quaisquer portes, seja uma birosca da periferia mais distante, seja o mais luxuoso restaurante da cidade. O que nós não queremos são as cidades com tanta desigualdade, a começar pela infraestrutura urbana. A cidade tem de ser cidadã; tem de ser sinônimo de cidadania. Os bairros excluídos de infraestrutura são os bairros segregados, sem os direitos básicos da cidadania”, diz Solmucci.

O presidente da Abrasel tem dito que a entidade é antirracista, porque, a seu ver, torna-se insuficiente apenas dizer que não é racista.

“O antirracismo é mais do que um declarado sentimento; é o que se pratica e o que se prega”. Como a maioria dos que vivem em áreas sem infraestrutura são negros, dessa forma eles já estão excluídos dos direitos à cidadania.

Só pode se considerar o mérito de cada um, segundo a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, onde há democracia, o que significa direitos iguais para todos, desde o nascimento.

Este é um posicionamento da Abrasel, explicitado em seu manifesto. Cerca de 40% das pessoas em situação de pobreza ou extrema pobreza no Brasil são crianças e adolescentes, e 74% delas são negras (pretas ou pardas), conforme noticiou o UOL na sua edição de 14 de julho de 2021.

Os dados são de um levantamento do Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS). “Uma classe média tem de crescer a partir dos florescentes pequenos negócios”, diz Paulo Solmucci.

Ele observa que a grande maioria das pessoas da classe média brasileira está empregada na burocracia do Estado e nas maiores empresas do setor privado.

O indiano C. K. Prahlad, considerado um dos maiores pensadores do mundo dos negócios do final do século passado e início deste milênio (faleceu em 2010, aos 69 anos de idade) escreveu: “O empreendedorismo em larga escala e em ampla extensão está no centro da erradicação da pobreza”.

Uma das obras de Prahlad é o livro ‘A riqueza na base da pirâmide’, que também foi editado no Brasil.

Ele mostra como o capitalismo pode melhorar a vida das pessoas situadas na camada mais pobre da população, gerando emprego, renda e lucro.

Comentários