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Pela terceira vez, restaurante esteve próximo de fechar as portas, mas mobilização social ajudou para que a casa voltasse a ser frequentada

Endereço do estabelecimento no centro do Rio é agitado durante o dia, mas deserto à noite

Gabriel Lacerda

Rua da Carioca, número 39. Endereço atual de um dos mais tradicionais bares da cidade do Rio de Janeiro. Título de primeiro bar a servir chopp na cidade carioca. O salão cheio. Garçons servindo dezenas de clientes a todo momento. Um cenário que desperta prazeres em qualquer empresário: mesas cheias, dinheiro entrando e o povo sorrindo. Mas os anos foram passando e quase um século e meio depois, a visão era outra. Agora, são oito membros da equipe, a então rua movimentada se torna erma, a expressão de tédio toma conta do rosto de cada um dos funcionários, as receitas somem, as dívidas aumentam e o resultado? Manchetes dizendo “Bar Luiz avisa que irá fechar”.

De início, um susto muito grande e a dúvida na boca do povo: por que um dos lugares mais famosos do Rio estava prestes a fechar? E para começar a responder essa pergunta é preciso saber da história do centenário Bar Luiz e o centro do Rio de Janeiro. Em 1887, Jacob Wendling decidiu inaugurar o Zum Schalauch, numa tradução livre do alemão para a língua portuguesa seria “A mangueira”, devido ao chopp servido por ali. Aos poucos, o bar foi conquistando o público. A casa se transformou em ponto de encontro das mais diversas tribos e, logo no início, teve sua primeira mudança de endereço e nome. Ainda na rua da Assembleia e, agora, no número 105, o Zum Schalauch passou a chamar-se Zum Alten Jacob, em homenagem ao seu fundador.

Ainda nessa época, o bar passou a ser comandado por Adolf, afilhado de Jacob. Já nas graças do povo, a casa começava a receber grandes nomes, como o poeta Olavo Bilac e o cronista João do Rio, e a ganhar cada vez importância no cenário boêmio carioca. Uma das atividades que aconteciam no bar, e que contribuíram para isso, era a queda de braço. Os clientes que ganhassem do dono do bar, Adolf, poderiam beber à vontade e quem perdesse deveria experimentar o chopp e pagar pela bebida. A atividade era tão praticada que a casa ficou conhecida, popularmente, como o Braço de Ferro.

Anúncio de mudança de nome do estabelecimento no jornal O Globo

‘Oh, meu Brasil brasileiro’: Ary Barroso, estudantes e, mais uma vez, novo endereço

Após mudar o nome mais uma vez, agora intitulado de Bar Adolph, dessa vez, por causa de uma lei de valorização da Língua Portuguesa, o estabelecimento passa a ser comandado por o outro sócio e por problemas no aluguel, o então Bar Adolf muda para seu endereço atual, na Rua da Carioca, número 39.

A inocência na mudança do nome quase se transformou em tragédia. Em 1942, período no qual estava acontecendo a Segunda Guerra Mundial, alguns estudantes do Colégio Pedro II acreditaram que o nome “Adolf” era em homenagem ao ditador alemão e decidiram atacar o bar. A ação só não chegou a ser concluída por causa do músico Ary Barroso. O artista explicou a situação e conteve os estudantes. Esse ‘quase problema’ foi gatilho para mais uma mudança de nome definitiva, agora, o famoso lugar, passa se chamar Bar Luiz. Na época, o dono do bar comprou um espaço publicitário no jornal O Globo para explicar aos fregueses que ele ali não era um estabelecimento nazista que apoiava Hitler.

Do Brasil Império à hashtag

Nos planos da prefeitura do Rio, estava a construção do metrô, quer iria melhorar a transação de pessoas pela capital carioca. Entretanto, a obra derrubaria o bar e a cidade perderia um pedaço de sua história. Felizmente, na mesma época, a região da Rua da Carioca, endereço atual do Bar Luiz, foi tombada como Patrimônio Histórico, o que fez o estabelecimento permanecer por muitos anos ali.

Mas não foi a única vez que o Bar Luiz esteve prestes a encerrar suas atividades. Anos mais tarde, em 2019, no feriado de 7 de setembro, a gerência do bar anunciou que fecharia as portas do local alegando “dificuldades financeiras extremas”. A notícia atingiu muita gente e logo tomou conta das redes sociais. Fregueses, chefs de cozinha, empresários e moradores se mobilizaram para não deixar o bar fechar. O resultado? O Bar Luiz sobrevive. Nesse conjunto de acontecimentos, um dado, disponibilizado pelo jornal O Globo, chama a atenção: nos últimos dez anos, a cidade do Rio de Janeiro perdeu 10 estabelecimentos que já estavam funcionando há, pelo menos, quatro décadas.

Segundo o jornalista e historiador Thales Machado, o principal motivo do fechamento de lojas está relacionado aos altos preços de especulação imobiliária. “Se fossemos definir um problema principal para o fechamento das lojas no centro do Rio seria o valor cobrado de aluguel. E este fator, aliado aos altos índices de violência da região central, à implantação do VLT, que torna a circulação de pessoas maior, porém elas não necessariamente permanecem por ali e ao preço alto de alguns produtos fazem com que não existam um consumo suficiente para arcar com as contas”, explica.

Grupo Opportunity VS Prefeitura do Rio de Janeiro

No ano de 2012, o Grupo Opportunity comprou 18 imóveis da Rua Carioca, dentre eles o Bar Luiz. A notícia que, de início, poderia ser benéfica aos comerciantes locais, logo tornou-se um pesadelo. Os aluguéis da rua subiram e os estabelecimentos não estavam conseguindo arcar com as despesas. Com isso, dois anos mais tarde, o Bar Luiz recebeu uma ordem de despejo por dever o pagamento de aluguéis.

Durante seu governo, no ano de 2011, o prefeito da capital carioca, Eduardo Paes, elaborou o decreto Nº 34869, que cria o cadastro dos Bares e Botequins Tradicionais, Patrimônio Cultural Carioca. Atitude que desapropriaria o Bar Luiz do Grupo Opportunity e o tornaria patrimônio da cidade. Porém, devido à algumas questões burocráticas, o local não foi tombado na época, somente no final de 2014, após o anúncio do despejo ser oficial, a Prefeitura tornou o Bar Luiz Patrimônio Cultural Carioca.

A primeira vitória havia sido conquistada. Os funcionários e clientes estavam felizes com a mudança, mas ela ainda não foi suficiente para ajudar o Bar Luiz a não declarar que iria fechar em 2019. A professora de História e cliente do bar Ana Laura Fonseca conta que, durante a graduação, frequentou a casa e que para ela lá é parte da história do Rio. “Quando ia fazer trabalho de campo e íamos conhecer sobre a nossa cidade, o professor no levava para lá (Rua da Carioca) e sempre terminávamos a visita com o chopp do Bar Luiz”, conta a educadora.

Ana Laura também comenta a respeito do Bar anunciar seu fechamento e que isso pode estar ligado à falta de área residencial no centro carioca. “Um dos motivos que pôde ter contribuído com o quase fechamento do bar é o preço exigido e a crise que o país está. A falta de pessoas morando por ali também ajuda na decadência do movimento. A região tem muito comércio e o movimento é alto durante o horário comercial. Quando o final de semana chega, a movimentação na Rua da Carioca e nas proximidades diminui”, relata.

Na mesma linha de Ana Laura, Machado também sinaliza a questão da falta da falta de moradia na região central da cidade carioca. “O centro do Rio é uma área comercial. O Bar Luiz mesmo funciona até às 18h da tarde, não é um horário comum para bares fecharem, mas é preciso entender que o movimento dele está baseado na movimentação das pessoas que estão trabalhando durante o horário do comércio. Se as pessoas não o frequentam à noite, também não irão lá aos finais de semana. É uma cadeia de fatores: comércios próximos fechando devido ao preço cobrado de aluguéis, com isso o número de pessoas na região começa a reduzir e, para balancear a equação, os estabelecimentos aumentam o preço”, explica Machado.

A receita da recuperação

Crises são comuns em vários setores da economia e com o setor de alimentação fora do lar também não seria diferente. De acordo com o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro – SindRio, até julho deste ano, foram fechadas 791 vagas de empregos formais do setor na cidade. E o Bar Luiz poderia contribuir ainda mais para esse percentual se não fosse a ação inicial da chef de cozinha Roberta Sudebrack.

A renomada chef e empresária chamou amantes da gastronomia, amigos, ex-clientes, empresários gastronômicos e investidores para voltarem a frequentar o bar. A tag #ficabarluiz foi criada no Twitter e a resposta do público foi transformar seis clientes por dia para 600! “Sempre tive uma relação emocional com o Bar Luiz. Lá não é só mais um negócio que fecharia, mas um bem cultural do Rio que se perderia para sempre, um pouco da alma carioca. Esse foi o meu maior motivo: resistência. Além disso, um cansaço de assistir diariamente à deterioração de uma cidade que é tão fundamental para o Brasil”, explica Roberta sobre o que a levou a ajudar o bar.

Resultado que também contou com a solidariedade de donos de outros bares, como o Otto. O bar, que também possui raízes alemãs, emprestou mais de dez garçons para o Luiz conseguir atender a nova demanda, visto que a casa da Rua Carioca tinha apenas oito funcionários.

No dia 14 de setembro, data marcada para fechar a casa, a proprietária Rosana Santos anunciou pela fan page do restaurante que o Bar Luiz não fecharia. Depois da postagem, que teve milhares de comentários e compartilhamentos, já era possível perceber a mudança no semblante dos funcionários e frequentadores do bar.

“O Bar Luiz tem um compromisso forte com a qualidade do que oferece, mesmo no meio da crise nunca deixou de oferecer qualidade, o que, para mim, é fundamental, pois demonstra o compromisso que mantém com a sua história”, destaca Roberta. “Mas obviamente para um negócio com a idade do Bar Luiz, sempre há melhorias, pontos que podem ser renovados, sem perder a sua essência. Fundamental é as pessoas não deixarem de frequentar o bar, porque isso é que ajuda qualquer estabelecimento”, completa a chef.

“Com o passar o tempo, as mudanças acontecem em todas as áreas. E com bares e restaurantes isso não seria diferente. Estabelecimentos antigos, como o Bar Luiz, precisam se adaptar às novas tendências. É preciso que eles também ofereçam atrações para os clientes, o bar precisa conquistar o público. Outro fator é que eles mantenham um preço adequado. Antes, iam lá muitos estudantes, pois o preço do chopp era acessível, hoje, o número de alunos é praticamente zero”, explica Thales Machado.

O Bar Luiz, depois de toda campanha e a mobilização da sociedade carioca, está vivo. O clima mudou, a esperança por lá voltou a aparecer e o bar, finalmente, está de novo no cenário carioca. A movimentação de clientes está estável e eles mantêm a tradição em seu cardápio. Talvez, Jacob não imaginaria que o seu bar poderia ser ‘salvo’ por uma ação que se iniciou com um símbolo, mas, às vezes, ele já soubesse a importância da força do povo carioca e por isso, entre tantas cidades brasileiras, escolheu lá para criar seu bar.

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