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Já participaram do ‘Comida de Buteco’ 5.163 barzinhos, melhorando a gestão e as instalações, fortalecendo a vigilância social nas vizinhanças

Petisco “Delação Premiada”, criado pelo bar Colarinho Branco, vice-campeão do Comida di Buteco em 2016 no RJ

Por Valerio Fabris


Em julho, será divulgado o vencedor nacional do festival Comida de Buteco de 2019. Estarão nessa disputa derradeira os bares vencedores da primeira etapa, ocorrida dois meses antes (maio), em 21 cidades do país. O critério para a eleição do melhor do Brasil é baseado nos mesmos quatro quesitos que vigoraram na etapa inicial da competição. São eles a qualidade e o sabor do tira-gosto (com ponderação de 70%), o atendimento, a higiene e a temperatura da bebida (peso de 10% para cada um desses três itens).

O concurso foi criado em Belo Horizonte há 20 anos (1999), de onde se espalhou pelo país ao longo de duas décadas. O diretor-geral do Comida di Buteco, Ronaldo Perri, diz que o propósito da maratona é levar as pessoas aos botecos dos mais diferentes pontos das cidades, seja nas áreas centrais ou nas periferias. Há aí, segundo ele, dois objetivos: 1) colocar os holofotes sobre “os pequenos empreendedores brasileiros, de perfil majoritariamente familiar; 2) motivar a população a conviver, mais amplamente, no território urbano onde mora”.

O boteco nasceu com o mesmo conceito do pub inglês, como a extensão de uma casa

Um pré-requisito para que os donos dos estabelecimentos participem do festival é o de criarem um tira-gosto específico para a competição. Somente se admite a participação do boteco que for “espontâneo”. Ou seja, que seja um pequeno negócio, preferencialmente familiar. É comum que, a exemplo do que ocorre com o pub (sigla de ‘public house’, isto é, ‘casa pública’), o boteco se constitua no terceiro ambiente da parte térrea de uma residência, conforme se estabeleceu na tradição inglesa, desde o início do século XIX, por volta de 1830.

Os gestores públicos ingleses incluem os pubs em suas ações urbanísticas. Isso porque esses estabelecimentos são naturalmente fomentadores dos relacionamentos interpessoais, não apenas entre os moradores das vizinhanças, mas também com os cidadãos vindos de outros bairros e, ainda, com os turistas. A mesma função urbanística do pub, de acordo com Perri, é operada pelo boteco. Ele sublinha que o Comida di Buteco cumpre, suplementarmente, o papel de disseminar o espírito empreendedor dos negócios familiares e de pequeno porte na base da pirâmide socioeconômica brasileira.

É exatamente para dar ênfase aos pequenos negócios familiares que se acrescentou aos critérios de julgamento no concurso Comida di Buteco a orientação de não se aceitar na disputa os botecos (ou bares) “intencionais”. São eles os bares que integram uma rede com a mesma marca e que têm como uma de suas acentuadas características, por exemplo, a de serem pontos de descolados happy hours. Também não se aceita a inscrição dos bares ‘multifuncionais’, com telas das tevês a cabo que transmitem os jogos de futebol, e que no seu ambiente dispõe de mesas de sinuca e de totó.

O objetivo é alavancar os negócios familiares e a qualidade de vida na região do boteco

A demarcação conceitual do Comida di Buteco como empreendimento familiar de pequena escala, situado em qualquer ponto da cidade, seja nos bairros de renda mais alta ou nas favelas e periferias mais remotas, definiu a razão de ser e a personalidade do concurso, desde o seu lançamento, em 1999. Na base da filosofia do festival está a qualificação e a divulgação dos botecos, que acabam passando por processos de transformação muito positivos, quando ingressam na maratona. Um dos itens que aponta nessa direção é o da higiene.

“A primeira providência dos donos ou das donas do mais simples botequim, quando se inscrevem no Comida di Buteco, é a de arrumar o banheiro, pelo menos pintando e colocando um espelho, já se preparando para o esperado incremento do público feminino. Entre os que preencheram as cartelas de votação em 2018, distribuídas nas mesas, 53% foram mulheres. Este é o mais visível sinal da qualificação no ambiente e nos serviços dos botecos, que, ao ingressarem no festival compram um novo freezer, melhoram a calçada, as mesas, as cadeiras e o atendimento, criam tira-gostos que destacam aquele pequeno estabelecimento. Esta é uma maratona democrática, tanto assim que não se cobra absolutamente nada, nenhum tostão, para participar do Comida di Buteco”.

Prossegue ele: “A classificação de um boteco na lista dos mais votados é por si só suficiente, mesmo que seja no segundo, terceiro, quarto ou quinto lugar, para lhe dar uma visibilidade até então inimaginável, em uma exposição que, de imediato, provoca acentuado aumento da frequência de clientes”, diz o diretor-geral do concurso. A simples participação do boteco na disputa, acrescentou Perri, sinaliza que nele se realizaram melhorias, com vistas a se conquistar pelo menos uma honrosa posição no concurso. “Essa qualificação de um estabelecimento, localizado em qualquer ponto de uma rua maltratada, ou de uma esquina qualquer, já energiza positivamente o entorno”.

(O arquiteto Jaime Lerner criou e difundiu o conceito de ‘Acupuntura Urbana’, que é uma agulhada de energização de vida. É provocada, por exemplo, por um bar, que ilumina, movimenta, qualifica a vizinhança, criando uma vigilância natural no seu entorno, melhorando a segurança pública)

As transformações no entorno do Colarinho Branco, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense


Solicitado a nomear algum bar premiado, que tenha irradiado esses efeitos positivos na sua rua e vizinhança, ele citou o Colarinho Branco, de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Em 2017, o estabelecimento ficou em segundo lugar no Comida di Buteco da região metropolitana do Rio de Janeiro. A casa tem três sócios: Alan Marques da Fonseca, Armando Fernando da Silva e Eduardo Correia da Silva, que atendeu à reportagem da revista Bares & Restaurantes.

Eduardo da Silva disse que o bar nasceu como um empreendimento bem-sucedido, tendo sido inaugurado em 2014. “Mas o que aconteceu é que, quando saiu o resultado do segundo lugar no Comida di Buteco do Rio de 2017, o movimento do Colarinho Branco triplicou. Foi um fenômeno”. Os sócios acabaram abrindo um bar e restaurante na vizinhança, denominado Gigante Nordestino, ainda naquele ano. Na sequência, em agosto de 2018, inauguraram a filial do Gigante Nordestino no bairro Vista Alegre, na Zona Norte carioca, próximo à Vila da Penha e ao Irajá.

Como os donos do Colarinho Branco formaram uma rede de três estabelecimentos, eles não puderam mais participar do Comida di Buteco, em função das regras do concurso, que limitam às inscrições do festival aos proprietários que tenham, no máximo, dois bares. O trio de sócios está realizando obras para, até o final de 2019, abrir mais uma filial do Gigante Nordestino (a quarta do grupo) na cidade fluminense de Campo Grande.

Depois do prêmio, investimentos no aumento da produtividade, com novos equipamentos

“A expansão dos nossos negócios, aqui no bairro Rancho Novo, foi um fator de significativa melhoria qualitativa do comércio da vizinhança, principalmente na parte da gastronomia. Hoje, temos na redondeza diversos restaurantes muito bons, como uma hamburgueria, que não perde para as melhores hamburguerias de qualquer lugar do Brasil. Surgiu nas proximidades um ótimo restaurante da cozinha japonesa. Antes de 2014, o que havia era muito boteco pé sujo. As melhorias têm efeito propagador. Quando abriu as portas pela primeira vez, o Colarinho Branco já tinha instalações muito boas. E, posteriormente, depois do Comida di Buteco, fizemos duas novas decorações, promovemos duas repaginadas”.

Ele relatou que, com a triplicação do movimento do bar “foram feitos investimentos para a elevação da produtividade, aumentando-se o estoque, o armazenamento, para não faltar mercadoria nos picos de venda; adquirimos novos equipamentos, como fritadeira e freezers”. Diz que, com a repercussão do segundo lugar do Comida di Buteco Rio/2017, “o Colarinho Branco alcançou visibilidade ‘até nacional’, mas principalmente na Baixada Fluminense, atraindo muita gente ao bar, pessoas que são nossos assíduos frequentadores até hoje”.

Contou que, em 2016, os sócios do Colarinho Branco receberam a visita da diretora nacional de negócios e parcerias do Comida di Buteco, Maria Eulália Araújo, pois ela conhecia o cozinheiro do bar, Paulo Barbosa, o Paulette. “Eulália nos convidou para participar da noite de premiação do Comida di Buteco. Em função dessa ida ao evento (denominado Festa da Saideira), os donos do Colarinho Branco resolveram participar do festival, na edição seguinte.

Reportagem originalmente publicada na edição 127 da revista Bares & Restaurantes

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