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Do projeto social Diamantes na Cozinha à ‘pós-graduação itinerante em cozinha brasileira’, badalado chef carioca fala de passado e mostra planos para o futuro

Por Danilo Viegas

Um por todos e todos pela gastronomia brasileira. É essa a frase que costumeiramente estampa a camisa do jovem chef carioca João Diamante quando ele realiza palestras Brasil afora para falar sobre a sua experiência no mundo gastronômico. A exceção é aberta quando veste o dólmã, ao literalmente pôr a mão na massa em aulas-show. O projeto foi batizado por ele como uma “pós-graduação itinerante em cozinha brasileira” e é uma das atividades rotineiras do chef, que após a saída do restaurante Fazenda Culinária, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, se desdobra ainda com o projeto social Diamantes na Cozinha e com o Bizu Beiju - ideias com tapioca. Prova de que, mais que apenas palavras, a frase na camisa é uma missão em sua trajetória.

Nascido na Bahia, mas criado pela mãe na comunidade de Divinéia, subúrbio do Rio de Janeiro, o chef eleito pelo site Infood como revelação em 2017, se formou por meio de programas sociais. Daí a importância de retribuir essas oportunidades com o Diamantes na Cozinha. “Fiz parte de ação social a minha infância inteira. Onde o mesmo tem uma grande parcela no meu desenvolvimento pessoal, posso listar mais de 20 projetos que tive a oportunidade de fazer na minha comunidade. Isso me salvou, me tirou das ruas. Sei a importância deles para a comunidade”.

Desde pequeno, as panelas e a cozinha estavam em sua rotina, fosse ajudando a irmã a preparar as refeições que a mãe deixava pré-prontas antes de sair para trabalhar ou como auxiliar de padeiro de um vizinho da comunidade onde vivia, no Andaraí. Com 14 anos conseguiu o primeiro emprego de carteira assinada e pouco tempo depois se aventurou no empreendedorismo com a criação de uma Lan House. Com o dinheiro do emprego, comprou TVs e videogames. Ganhava dinheiro do aluguel dos videogames e dos lanches que criava ao lado da namorada.

Aos 18 anos, João foi prestar o serviço militar na Marinha. Logo percebeu que poderia ficar numa posição profissional melhor servindo nas cozinhas dos quartéis por onde passou. Paralelamente a sua ocupação como marinheiro recruta, se matriculou em um curso técnico em nutrição e dietética. Seu tempero e dedicação ao ofício logo foram notados por seus superiores. Sendo convidado, inclusive, para ser o chef de cozinha da vice-presidência da República. Por orientação de seu comandante, João conseguiu um estágio de três meses no Iate Clube do Rio de Janeiro e, para que pudesse ascender na Marinha, foi cursar faculdade de gastronomia.

Ao final do curso, três pessoas dentre quatro mil alunos, foram convidadas a estagiar por seis meses em restaurantes do renomado chef Alain Ducasse em Paris. João foi um deles. E lá foi ele para essa nova empreitada, sem falar uma palavra de francês direito. Para isso, se desligou da Marinha e partiu com a cara e com a coragem rumo a uma experiência inimaginável para uma pessoa com a sua origem.

O desafio de Paris

Ele lembra que chegou cinco dias antes do estágio iniciar, checou o trajeto e o tempo de deslocamento. A primeira vez que subiu o elevador panorâmico da Torre Eiffel veio, à cabeça, a história de onde veio e onde chegou. Na cozinha, o chef o questionou se falava francês, inglês ou espanhol. João respondeu não a todas as opções. “Ele jogou uma panela no chão na frente de todo mundo e gritou 'o que você fala?'”. Ninguém na cozinha se afetou com a bronca, mas João arregalou os olhos. Torceu para o horário acabar e foi chorando para casa.

“Mediante a todas as dificuldades encontradas como a linguagem e cultura, tive que me virar tendo em vista de onde saí, de tudo que já tinha passado antes de chegar até ali. Me apoiei nessa estatística e vi que não seria tão difícil superar esse novo desafio. E sem ‘vitimismo’, todo dia tinha um cronograma a ser feito. Acordava, corria no jardim de Luxemburgo, onde tive o privilégio de morar em frente, estudava e ia trabalhar, até conseguir vencer essa barreira”.

Depois de três meses, ele já estava entendendo e comunicando melhor, automaticamente evoluindo dentro da cozinha. “Passei por todas as praças, me beneficiando de todo aprendizado. Saí um ser humano bem mais evoluído, além de um cozinheiro muito mais técnico”, conta.

A experiência em Paris reflete diretamente na cozinha de João Diamante. Da França, ele trouxe disciplina, hierarquia, padrão e muita técnica. “Apliquei no restaurante as bases técnicas francesas, fazendo grandes releituras de pratos brasileiros. Dando uma cara de cozinha contemporânea brasileira”.

Ao final do estágio, recebeu um convite para continuar os trabalhas no Au Plaza Ethénée. "Eu queria ficar, mas tinha que voltar para o Brasil para resolver alguns problemas e tinha um sonho de criar um projeto social. Retribuir tudo o que o pessoal fez por mim”, relembra.

Diamantes na Cozinha

Segundo ele, o Diamantes na Cozinha foi criado utilizando a gastronomia como ferramenta de transformação. São seis meses de curso gratuito, em que o aluno aprende desde o cultivo de alimentos até a finalização de um prato e tem servido de ponte para indicar os alunos para trabalhar nos restaurantes do Rio de Janeiro.

O projeto oferece cursos nas áreas de Gastronomia, Hotelaria e Coquetelaria. “Eu não quero que ninguém obrigatoriamente se torne um cozinheiro, um grande chefe, um barista e outras profissões que a gastronomia pode proporcionar. E sim, que tenham uma visão ampla da sociedade e um leque de oportunidades enorme através da gastronomia onde o objetivo maior é formar verdadeiros cidadãos com responsabilidade social, ética e cidadania”, diz.

O ex-aluno do projeto, Ismael Antonio, que já trabalhou com João nas Olimpíadas e como ajudante no restaurante Fazenda Culinária, disse que se desdobrou, mas sabia o quão importante seria fazer o curso. “Abdiquei de estar com minha família, de descansar, para me qualificar. Usei minha folga para estar presente e foi a melhor coisa que fiz. Com esse curso consegui aperfeiçoar ainda mais as técnicas que adquiri durante todo o tempo na cozinha. Trabalho desde os sete anos e nunca tive o ensinamento que este curso me proporcionou”.

Devido a sua história e atuação com o projeto Diamantes na Cozinha, João foi chamado pela produtora cultural Danusa Carvalho e o rapper Flávio Renegado, idealizadores do Circuito Gastronômico de Favelas, para ser o Embaixador Gastronômico dos circuitos em Belém, Brasília, São Paulo, Salvador, Trancoso, Belo Horizonte e no Rio de Janeiro.

A missão de João como embaixador é fomentar a economia das comunidades, promover o turismo, o lazer, a arte e também realizar uma pré-seleção do circuito gastronômico local. Seu objetivo é realizar "rolês" para desmistificar a tradicional barreira entre “a favela e o asfalto”, assim como ele já faz à frente do projeto social Diamantes na Cozinha. Ele acredita que o caminho é unificar, selecionar e capacitar pessoas para fortalecer as mais diversas localidades do Brasil por meio da universalização dos conceitos básicos da gastronomia, do marketing e do empreendedorismo para todos.

Visão do mercado

Por experiência própria, o chef tem uma visão singular sobre o mercado. Com ele não há coitadismo da parte de funcionários nem empresários. “É uma relação que parece gato e rato. Um acha que sempre dá as melhores condições e os melhores benefícios e o outro acha que sempre está sendo explorado”.

Para João, a gastronomia brasileira irá evoluir no dia em que toda a cadeia produtiva entender que gastronomia é cultura. “Precisamos começar de dentro das nossas casas, em simples atos, como mostrar para nossos filhos a importância do alimento, de como se alimentar e explicar de onde vem a comida”.

O diálogo é o fiel da balança. De um lado, os empresários dando mais condições de trabalho e oportunidade de crescimento; do outro, o empregado entendendo que ele faz parte de um ciclo de evolução da empresa, se atualizando constantemente.

Novos projetos

Em 2018, o chef deixou de lado o trabalho no restaurante Fazenda Culinária, experiência dita por ele como fundamental para sua evolução como cozinheiro. “Provou para mim mesmo que poderia ser chef executivo de um grande restaurante no Rio, que tem vitrine para o mundo, com apenas 24 anos. Normalmente as pessoas me perguntam: ‘nossa, mas tão novo...?”, alguns com um certo desdém. Mas se contabilizar toda minha trajetória de vida, dos sete aos 24 anos, vai ver o quanto tempo de experiência eu já tinha”.

Reportagem originalmente publicada na ediçã 124 da revista Bares & Restaurantes

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