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Com ocupação capitaneada por cervejaria, tradicional mercado no hipercentro de Belo Horizonte abre as portas para a diversidade de negócios gastronômicos e se transforma em novo ponto da boemia na cidade

Texto: Gabriel Lacerda
Fotos: Paulo Psilva

Lojas, bares, cervejarias, cachaçaria, vendas, produtos antigos, estacionamento cheio, circulação intensa de pessoas, localizado no coração de Belo Horizonte. Local de reunir amigos, famílias, apreciadores de boas comidas ou somente visitantes que passam por perto e querem saber o porquê desse movimento. É ali, entre as ruas Tupis, Goitacazes e a avenida Olegário Maciel que se encontra um dos mercados mais charmosos da capital mineira, o Mercado Novo. Mas nem sempre o lugar foi palco do fluxo numeroso de pessoas, e nem mesmo de comerciantes. Há pouco tempo - cerca de cinco anos, num local que existiam 200 lojas para serem alugadas e utilizadas, somente 40 funcionavam e o movimento quase zero. Hoje a história mudou.

Origem do mercado

A história do Mercado Novo começa nos anos 60. Ele foi construído para ser mais um espaço pertencente ao Mercado Central, ponto turístico da capital mineira. Entretanto, a construtora que havia iniciado a obra faliu e a construção cessou. Ao passar dos anos, o então Mercado Novo começou a receber lojas, vendinhas, bares se tornando, aos olhos do belo-horizontinos, um local pouco frequentado em relação ao tradicional Mercado Central. Foram anos de co-protagonismo até que no final de 2017, um dos sócios proprietários de um bar do bairro Pompeia, Rafael Quick, decidiu mudar essa história e fazer do Mercado Novo um novo ‘point’ em BH.

A história de Quick e seus sócios surge de um casamento, literalmente. A sociedade começou após Rafael pedir para Samuel Virtebo produzir algumas cervejas para a sua festa de casamento. O que eles não sabiam era que a bebida ia agradar a todos e faria sucesso. Então, Samuel chamou outro amigo, Marcelo Machado, para investir no mercado de cervejas artesanais. Os três sócios se juntaram e aí surge a Cervejaria Viela.

Era preciso um lugar para vender a cerveja e os sócios pensaram: por que não revitalizar uma esquina em BH, da década de 30, criando um bar cujo o nome é o endereço do local? Eis então que nasce o Juramento 202, agora, com a entrada de mais um sócio, Luiz Furiati. “Era um bar pequeno, mas por respeitarmos o bairro, resgatarmos os valores daquela esquina deu muito certo. Em dois anos ganhamos a melhor cerveja de BH, eleitos pela Revista Veja, num setor muito competitivo e ficamos muitos animados com isso”, relata Rafael.

Mas a pergunta que pode surgir é: o que isso tem a ver com o Mercado Novo? Bom, depois do sucesso do Juramento, Rafael, Samuel e Marcelo perceberam que se fossem viver daquilo era preciso fazer entrar mais capital, porém eles entendiam que não era possível aumentar o Juramento, pois se isso acontecesse, o bar perderia sua identidade.

Nisso, os sócios resolveram escolher um local para abrir mais um estabelecimento e chegaram ao Mercado Novo. “Primeiro sentamos e conversamos para entender o que havia dado certo no nosso primeiro projeto. A gente entendeu que é que o local tenha uma história longa e relevante para a cidade e, ao mesmo tempo, era uma história que não estava bem contada e queríamos fazer com que essa história fosse lembrada. Ao mesmo tempo queríamos um lugar autêntico e verdadeiro, que conversam com nossa cultura mineira. Em uma das compras que viemos fazer no Mercado para a cervejaria, decidimos aqui seria o lugar”, explica o sócio proprietário sobre o motivo da ida para a abertura da nova casa.

O processo de abertura da Distribuidora Goitacazes e, posteriormente, da Cozinha Tupis não foi tão simples. Nas palavras de Rafael, o mercado era um lugar tão fácil de se chegar e que ninguém ia. Além de fazer a presença de público subir, eles tinham outro desafio: a estrutura do local. “Não é à toa que ninguém tinha vindo para cá antes. É um local de quase 60 anos. Ficamos um ano mexendo com reformas no segundo andar, cuidando de fiação, alvará, etc. Então, conseguimos abrir. Depois tivemos o desafio de manter os estabelecimentos funcionando. No início, coisas legais fazem barulho e trazem movimento, entretanto é preciso pensar como manter essa frequência ao longo dos anos”, explica o empresário.

Velho Mercado Novo

As casas abertas pelos sócios têm algo em comum: a política da boa vizinha. Os empresários acreditam que ao chegarem num novo local, eles são ‘os novatos’ e devemrespeitar os antigos ‘moradores’. Ao criar o Juramento, eles faziam questão de encomendar os pasteis de outro bar próximo para mostrar que não eram concorrência.

No Mercado Novo não foi diferente. Com a chegada da Distribuidora Goitacazes veio junto um movimento denominado Velho Mercado Novo. “Pensamos em fazer uma ação que trouxesse vida para o Mercado Novo sem tirar ou desrespeitar as pessoas que estavam aqui há muito tempo, que respeitasse a história do mercado. Com isso, o surgimento de novas pessoas que queriam entrar aqui começou a crescer e a gente percebeu que para garantir que essa nova ocupação acontecesse respeitando a essência do Mercado, certificando que nossa presença seja positiva aqui”, explica Rafael, um dos idealizadores do movimento Velho Mercado Novo.

Após um ano do surgimento do movimento, os números demonstram que a política da boa vizinha deu certo. Antes da chegada da Distribuidora Goitacazes e início do Velho Mercado Novo, existiam 200 lojas no segundo andar, sendo que somente 40 estavam ocupadas. Hoje, os 160 boxes restantes estão ocupados e funcionando. Um desses novos empreendimentos é a Cacharia Lamparina. Há 10 meses no local, os sócios Guilherme Costa, Túlio Castro e Thales Maciel decidiram abrir no Mercado por acreditarem que o projeto da cachaçaria casava bem com o movimento.

“Queríamos um lugar que fosse único, fosse bem localizado, tivesse um público que além do consumidor, digamos, tradicional, de cachaça e vimos que alinhado ao movimento que estava acontecendo aqui, seria ideal para nós”, relata um dos sócios proprietários da Lamparina. “A cachaça, muitas vezes, infelizmente, é vista como um produto marginalizado. O Velho Mercado Novo tem como objetivo ‘reconstruir’ o Mercado e a gente tem a intenção de também reconstruir a forma que a cachaça, único destilado brasileiro, é vista”, completa.

A cachaçaria foi construída baseada nas antigas vendas mineiras, que possuíam características bucólicas e, dessa forma, não perdendo a identidade com o Mercado. “Queríamos conquistar públicos diferentes fazendo drinks diferentes com cachaça, mas sabíamos que não podíamos fazer algo que fosse contra a ideologia do local que abrimos”, explica Guilherme Costa.

São vários tipos de lojas dentro do mercado, são produtos que variam desde alimentos, insumos, bebidas até papelarias, artigos religiosos. Entretanto, todos eles possuem algo em comum: a forma de atendimento. A estratégia adotada pelos vendedores,

principalmente para os que vendem algum tipo de alimento, é a de venda no balcão. O cliente chega, olha o cardápio, muitas vezes este está colado na parede do local, faz o pedido de um lado e pega do outro, ou mais à

“Antes de abrirmos a Cozinha Tupis, a gente veio entender toda a personalidade do local, saber o motivo do mercado ser assim. Vimos que a cultura de mercado em BH é muito forte, então sabíamos que era preciso criar algo que tivesse conexão com o lugar que estamos. Não é só pensar no lucro, é pensar em respeitar a cultura do local que você está, respeitar a cultura”, diz Rafael. “Em mercados as pessoas comem em pé, os corredores cheios, não buscam conforto. É algo informal e é isso que faz o mercado ser diferente. Nisso, abrimos uma cozinha de acabamento com pratos maravilhosos, mas que você vai comer no balcão”, complementa o empresário.

Receita do sucesso?

A Distribuidora Goitacazes, primeira loja aberta por Rafael e seus sócios, vende cervejas artesanais da Cervejaria Viela. As fichas, recebidas após o pagamento, são propositalmente de papel para relembrar ainda mais das tradições dos mercadinhos. Os atendentes ficam divididos em dois lados, o que recebem o dinheiro e os que pegam a bebida, que pode ser consumida no próprio balcão da loja. A rotatividade é alta, o cliente não fica parado e as filas, quando surgem, são ágeis por causa da quantidade atendentes disponíveis.

Na Cozinha Tupis também é assim. O cliente chega, olha o cardápio pregado na parede, escolhe, faz o pedido, paga e assenta. Depois, espera o prato chegar ali mesmo no balcão. A Cervejaria fica em frente à Cozinha e, muitas vezes, o consumidor compra a bebida de um lado e vai comer do outro.

“Vender comida com acabamento, muito sofisticada é mais caro. Desde os produtos até a capacitação da equipe, isso encarece o custo final. Aqui, optamos por fazer diferente, produtos de qualidade e simples. Além disso, moldamos as casas para trabalharem com casa cheia. E outra questão é que estamos abertos a não ganhar muito dinheiro inicialmente. Ter uma margem de lucro menor. A gente entende que fazer um negócio pensando somente no dinheiro faz a gente ir para caminhos piores. A gente agrega valores nas ideias que vem chegando”, esclarece Quick.

A expectativa é alta também de quem está chegando ao Mercado, como contam os sócios da loja de queijos Terras Altas, Caroline Nery e Guilherme Maciel. “O projeto é muito interessante. Ficamos sabendo de lá por meio de amigos que nos mostraram como o mercado estava diferente e se adequava ao nosso modelo”, explica Guilherme. “Ele está num lugar que a ideia de coparticipação existe, ou seja, as lojas se ajudam e ninguém é concorrente de ninguém. A estrutura do lugar e público de lá também contribuíram para abrirmos nosso comércio ali”, conta Caroline “Nossa expectativa e que nossa loja, que ainda vai abrir, seja uma referência aqui dentro e fora”, complementa.

No início do texto, nomeamos os nomes das ruas ao entorno do Mercado Novo mesmo sabendo que possivelmente muitos leitores não deveriam conhecer, mas tem uma explicação. Ao chegar no novo local que abririam suas lojas, Rafael, Samuel, Marcelo e Luiz pensaram em mais uma forma de homenagear o Mercado Novo e fortalecer a cultura do povo mineiro: nomear a distribuidores e a cozinha com os nomes das ruas que ficam paralelas ao mercado.

O movimento de ocupação do Mercado Novo, atualmente, caminha sozinho. “Hoje o projeto é tocado por um grupo de lojistas e empreendedores, que se identificam e estão aqui dentro, querem que isso continue por muito tempo”, finaliza Rafael, um dos criadores do movimento. Ele também destaca que mesmo depois do movimento tomar forma, é preciso acompanhar e orientar os novos comerciantes para que a essência do mercado não se perca.

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