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A distância de grandes centros como Itaim Bibi, Consolação, Pinheiros e Vila Madalena faz com que o estabelecimento seja referência para a Vila Medeiros, distrito que possui mais de 130 mil habitantes e é conhecido às vezes como “o bairro do Mocotó”. Foto: Divulgação


O chef Rodrigo Oliveira, do Mocotó, viu seu restaurante no centro de um debate sobre preconceitos e as fronteiras da gastronomia. Tudo depois que uma cliente o enviou uma mensagem nas redes sociais em que se diz decepcionada com a "localização tão perigosa e precária" do estabelecimento, situado na Vila Medeiros, na zona norte de São Paulo.

Rodrigo respondeu publicamente à queixa da cliente quase como um manifesto a favor da diversidade e inclusão. "Justamente por existir gente que ainda pensa como você que continuamos morando e empreendendo na Vila Medeiros. Assim, quem sabe um dia nosso bairro vai estar (ainda mais) cheio de negócios de sucesso e de oportunidades pras pessoas que vivem aqui".

A cliente fez também um convite para que Rodrigo levasse seu premiado restaurante duas estrelas Michelin para o bairro Tatuapé, lugar em que, segundo ela, é mais seguro e com ótimos restaurantes. Não duvido que o Tatuapé, parte nobre da Zona Leste paulistana, sirva como palco para excelentes bares e restaurantes, mas a questão não é essa. Ao sugerir que a longínqua zona norte não fosse civilizada o bastante para merecer o restaurante que tem, nas entrelinhas da mensagem da cliente é possível notar um preconceito geográfico e social. Centro e periferia devem sempre estar em campos opostos? Acredito que não.

O Mocotó é a síntese do “Brasil que deu certo”. Fundado em 1973 como uma simples casa de vendas de produtos do norte, por José de Almeida, nascido em Mulungu - no sertão pernambucano - hoje é dirigido por seu filho, Rodrigo. No caldo do restaurante acontece o encontro da cozinha sertaneja tradicional com a inovação proposta pelo chef. Hoje o restaurante periférico é reconhecido como o 33º melhor restaurante da América Latina, segundo a revista britânica Restaurant.

O episódio abre espaço para uma reflexão sobre a simplificação do empreender; afinal, restaurantes conceituados só podem se manter sustentáveis em bolhas urbanas social e economicamente privilegiadas?

É preciso colocar foco sobre a diversidade e riqueza do que é feito nas ‘beiradas’ de metrópoles e transpor essa fronteira. Se o Brasil de cima pra baixo deu errado, talvez seja possível repensarmos também este modelo de vida que privilegia zonas de conforto e exclui periferias e favelas.

A Vila Medeiros sofre, sim, com a falta de infraestrutura. Segundo dados do Mapa da Desigualdade, divulgados em 2020 pela Rede Nossa São Paulo, dos 96 distritos paulistanos, a Vila Medeiros amarga a 89ª posição no pódio/ranking de qualidade de vida. Foram analisados índices como renda média familiar mensal, expectativa de vida, acesso ao transporte de massa, coeficiente de violência, e acesso à cultura.

Mas há a importância também simbólica do estabelecimento para a identidade do local e no senso de pertencimento da população. O Mocotó fica quase em Guarulhos, distante a 17km do Masp, um dos ícones de São Paulo. A distância de grandes centros como Itaim Bibi, Consolação, Pinheiros e Vila Madalena faz com que o estabelecimento seja referência para a Vila Medeiros, distrito que possui mais de 130 mil habitantes e é conhecido às vezes como “o bairro do Mocotó”.

No auge da pandemia, inclusive o antigo armazém com produtos do Norte do Brasil se transformou em um ponto de distribuição de marmitas gratuitas para pessoas em situação vulnerável da Vila Medeiros.

Rodrigo conta que nasceu e cresceu no bairro, “estudei e trabalhei a vida toda aqui, estou na Vila até hoje. Demorei para entender que existiam outras 'São Paulo', mas a verdade é que a desigualdade é tão grande quanto a cidade. Mas vamos continuar na luta, pois não se trata de ser o melhor do mundo e sim de como fazer o mundo melhor”.

Importante dizer que não basta que centro e periferia não estejam mais em campos antagônicos. Como Elis Regina cantou em 1978, "o Brazil não conhece o Brasil. O Brasil nunca foi ao Brazil". Mais que simplesmente ir, é preciso criar pontes de inclusão, ações afirmativas e respeito à diversidade. Passados mais de quarenta anos, chegou a hora de o Brazil com Z conhecer o Brasil com S, respeitá-lo e tratá-lo como igual. É um bom caminho para a construção de um país mais simples para empreender e melhor para viver.

*Danilo Viegas é jornalista, chefe de redação da revista Bares & Restaurantes e apresentador do podcast O Café a Conta

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