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A gorjeta é prática comum no Brasil e em várias partes do mundo, especialmente nos bares e restaurantes. É utilizada como uma forma de agradecimento do cliente pelo atendimento satisfatório que acabara de receber.

Apesar de ser um valor pago por um terceiro estranho à relação de trabalho, não diretamente pelo empregador, gera repercussões financeiras nos contratos de trabalho dos empregados que a recebem, independentemente de sua inclusão ou não na nota de serviços.

A despeito da importância do tema, desde 2017 a legislação que trata das gorjetas sofreu sucessivas alterações, o que tem gerado grande insegurança jurídica às empresas e empregados.

Em 13 de março de 2017 fora promulgada a Lei 13.419/2017, a chamada Lei das Gorjetas. A legislação atendeu a uma demanda histórica do setor de bares e restaurantes, tendo sido aprovada após intenso e longo (mais de uma década) debate no Congresso Nacional. A referida Lei alterou o artigo 457 da CLT e incluiu diversos parágrafos ao texto celetista, de modo a regulamentar essa temática tão pertinente e relevante.

O então novo artigo 457 da CLT, alterado pela Lei das Gorjetas, dispunha, por exemplo, sobre a possibilidade de a empresa reter parte dos valores arrecadados a título de gorjetas, com percentuais diversos para optantes do Simples Nacional e regime de tributação real ou presumido. Também tratava sobre a possibilidade de os próprios empregados definirem, em assembleia geral de trabalhadores, sobre os percentuais de rateio e distribuição da verba paga por terceiros. Enfim, naquele momento a norma atendeu aos anseios do setor.

Ocorre que a reforma trabalhista de 2017 (Lei 13.467/2017), promulgada apenas oito meses depois, dentre suas diversas alterações, acabou por revogar os parágrafos relativos às gorjetas, acrescentados há tão pouco tempo. O erro colocou as gorjetas numa espécie de limbo jurídico, novamente sem uma regulamentação mínima, apenas com a disposição geral de que os seus valores integram a remuneração dos empregados. A falha legislativa foi reconhecida, inclusive, na propositura de nova legislação, a exemplo da ementa do PL 10.071/2018, de autoria do Dep. Efraim Filho, ainda em trâmite no Congresso Nacional.

A seguir, já no ano de 2019, o Governo Federal editou a Medida Provisória 905, apelidada de MP do Contrato de Trabalho Verde e Amarelo. Dentre suas alterações, foi incluído o artigo 457-A à CLT, uma versão resumida da regulamentação revogada pela Lei da Reforma Trabalhista, prevendo alguns aspectos importantes para a temática. Entretanto, a Medida Provisória foi revogada pelo Congresso Nacional em 18 de agosto de 2020, deixando o tema novamente sem qualquer tratamento legislativo.

O fato é que a CLT atual, por um lapso legislativo e após sucessivas alterações, continua a prever apenas o que previa primitivamente: as gorjetas integram a remuneração do empregado e, para esse efeito, são considerados tanto os valores cobrados na nota de serviço quanto os espontaneamente concedidos pelos clientes, já que se trata de pagamento facultativo e adicional à conta final.

É importante lembrar que a Súmula 354 do Tribunal Superior do Trabalho define que as gorjetas não servem de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado. Na prática, as gorjetas integram a remuneração para reflexos em férias, décimo salário, FGTS e contribuições previdenciárias.

É bom lembrar que a empresa é uma mera arrecadadora da quantia, apenas recebe e repassa os valores das gorjetas aos empregados, e ainda fica com os impactos financeiros gerados nos contratos de trabalho.

As repercussões são grandes, e a ausência de regulamentação gera, por vezes, um completo desestimulo à cobrança das gorjetas, ou até à sua proibição como política empresarial. Isto, via de consequência, também afeta o recebimento mensal do empregado, que se vê empobrecido ao final do mês.

Ante a ausência de regulamentação e a grande necessidade do setor, a solução atual passa por duas pontas: 1) as entidades sindicais, especialmente porque o art. 611-A da CLT, que lista as hipóteses possíveis de negociação coletiva a prevalecer sobre a lei, aloca as gorjetas em seu inciso IX.

Os sindicatos foram chamados a negociar e regulamentar a questão, daí a importância de uma construção conjunta, que compreenda a relevância do tema para o setor, tanto para os empregados quanto para os empregadores. 2) regulamentação legislativa, com aprovação de lei pelo Congresso Nacional.

Tradição ou não, a regulamentação das gorjetas gera segurança jurídica aos estabelecimentos comerciais. Na atual circunstância, é pouco provável que uma nova MP seja divulgada para corrigir o texto. Enquanto o setor clama por regulamentação, caberá às negociações coletivas disporem sobre o tema, o que também evidencia a necessidade de construir um movimento associativo forte, além de uma assessoria jurídica presente na vida empresarial.

Gustavo Afonso Oliveira
Advogado, sócio do escritório Afonso & Lourenço Advogados.
Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal de Goiás.
Diretor Científico do Instituto Goiano de Direito de Trabalho.
Professor de Direito e Processo do Trabalho – PUC Goiás.
Consultor da Abrasel Nacional e Assessor Jurídico do Sindibares Goiânia

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