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Quando, em 18 de maio de 2018, tornou-se presidente da Abrasel na região metropolitana de Campinas (RMC), que acabara de co-fundar, Matheus Mason Adorno estava fixado em uma ideia. Queria promover cursos presenciais de gestão empreendedora e capacitação profissional para os bares e restaurantes de sua área geográfica. Ele logo transmitiu essa sua intenção ao presidente nacional Paulo Solmucci.

Conforme o próprio presidente da regional de Campinas relatou à B&R, Solmucci prontamente lhe disse: “Espera aí, Matheus, que a gente vai fazer isso de forma digital”. No ano seguinte, estava lançada a plataforma Conexão Abrasel, na qual passou a se oferecer 30 cursos, em parceria com o Sebrae.

Ele diz que, ao se fazer uma reflexão sobre os 35 anos de fundação da Abrasel, celebrados em julho no Rio de Janeiro, vê-se que a entidade muito influenciou nas mais positivas macros transformações do país, especialmente nas duas últimas décadas.

As conquistas da Abrasel e o manifesto pela melhoria do ambiente de negócios

Entre os avanços alcançados, ele cita pelo menos dois: submeter ao Banco Central a fiscalização e o monitoramento do mercado de cartões de crédito, pois, até então, não havia qualquer controle sobre esse segmento do mercado financeiro.

Outro exemplo mencionado por Matheus Mason (como usualmente ele é chamado) é o “histórico papel da Abrasel na concepção e na aprovação, pelo Congresso Nacional, do regime de trabalho intermitente”. A grande âncora da Abrasel, para os próximos anos. foi lançada ao ambiente do micro e pequeno empreendedorismo em 2019: a plataforma Conexão Abrasel.

Dois entre os mais expressivos vetores do poder influenciador e transformador da Abrasel já estão em prática e serão intensificados ainda mais. Um deles está sintetizado no manifesto “A partir das ruas, simplifica Brasil”.

O bem-estar social e a desburocratização formam, como enfatizou, o binômio que sintetiza o manifesto. Também constantemente se repete o mantra da Abrasel, proclamando-se que o propósito maior da entidade é um país mais simples para se empreender e melhor para se viver.

Trajetória acadêmica e atividades empreendedoras/educadoras de Mason

Nesta entrevista, o presidente da Abrasel na RMC relata que a sua alma se revelou educadora e empreendedora desde os 11 anos de idade, a partir de quando era anualmente convocado para estagiar na empresa fundada pelo avô, durante as férias escolares de junho. No limiar da idade adulta, passou a cursar administração de empresa na Fundação Getúlio Vargas.

A seguir, seguindo na mesma trilha da gestão corporativa, fez cursos de especialização na Fundação Dom Cabral e na Wits University, na África do Sul. Depois de cumprir uma jornada como diretor financeiro de uma incorporadora e construtora de São Paulo, ele solidamente estabeleceu-se no setor da alimentação fora do lar.

Mason é proprietário de três restaurantes, o Benedito, no qual é sócio com o irmão e chef, e do Japaum e Praxe Burger, que fazem parte da o Urbana Food Hub, uma startup localizada em Campinas. A startup, como disse Mason, “foi criada para resolver as dores da alimentação urbana nas grandes cidades”.

No cômputo geral, o empresário exerce as funções de gestão dos restaurantes e da Startup, o papel de CFO (‘chief executive officer’) da Optat Consulting e também a diretoria financeira do Family Office, “que cuida dos negócios da família”.

Matheus Mason é presidente da Abrasel na região metropolitana de Campinas (RMC)

Eis a entrevista que ele concedeu à B&R:

Como começou a sua vida de empreendedor e consultor de negócios?

Vem do ambiente familiar, desde criança. Sou da terceira geração de imigrantes italianos. Meu avô materno Eugênio Mason era analfabeto. De uma vendinha na cidade de Conchal, no interior de São Paulo, ele constituiu uma empresa de ônibus, a Viação Santa Cruz. Fundada em 1958, chegou a ter mais de 400 ônibus.

Ele aprendeu a escrever o próprio nome porque não queria assinar a sua certidão de casamento com a digital. Era da roça, um roceiro. Achava que todos precisavam se educar. Era assim: naturalmente tinha índole empreendedora; era analfabeto e valorizava a educação.

Como é que ele decidiu criar uma empresa de ônibus?

Exatamente porque considerava muito importante que os jovens estudassem, começou a transportar os alunos de Mogi Mirim, que haviam se matriculado na escola técnica de Conchal, distante 30 quilômetros.

Botava a moçada na caçamba do caminhão e levava até a escola. À noite, ficava sentado na praça da cidade esperando as aulas terminarem, para levar os alunos de volta a Mogi Mirim. Além do transporte de passageiros, também transportava cargas no caminhão.

Quando fazíamos estágio na empresa, íamos na boleia do caminhão de entrega de cargas, com a tarefa de carregar, entregar e conferir se as notas estavam certas. Quando o percurso era longo, dormíamos no alojamento junto com os motoristas.

Aquilo era demais! Foi com esse espírito, transmitido a mim e aos meus primos, que a empresa acabou se tornando o império de Eugênio Mason, cuja família somava 11 filhos, isto é, a minha mãe e mais dez irmãos. Nesse ambiente, fui tomando conhecimento das primeiras noções básicas da gestão de como é um empreendimento.

Como era essa ocasional presença sua na empresa?

Eu e meus primos fazíamos algumas incursões ao ambiente da Viação Santa Cruz, motivados pelo chamamento dos nossos tios. A cada fim de ano, éramos convocados para visitar as famílias dos funcionários da empresa para entregar cestas de Natal.

Era a forma como a família nos fazia entender como era a vida e o trabalho dos quase dois mil funcionários que trabalhavam na empresa. Além disso, tínhamos estágios na companhia. Passávamos dez dias das férias de junho lá dentro da Viação Santa Cruz.

Quais foram os aprendizados da infância e adolescência que acabaram perdurando até hoje?

Internalizei todos os aprendizados. Constato até hoje, nas evidências do dia a dia, que aquele ambiente acabou sendo uma imersão preliminar de capacitação para a vida e o empreender com responsabilidade e solidariedade. Como eu já disse, todos éramos chamados para, a cada fim de ano, visitar a casa dos funcionários. Recebíamos a lista de 15 casas a serem visitadas por dia. A gente não conseguia ir a todas. Um motorista nos transportava.

Levávamos uma cesta de Natal e brinquedos para os filhos dos funcionários. Antes de iniciarmos essa expedição, recebíamos orientações. Queriam que nos envolvêssemos, que conversássemos com os funcionários, suas esposas e seus filhos. Era o que fazíamos, com uma satisfação muito grande.

Essas visitas mostravam claramente que o meu avô, quando fundou a empresa, intuitivamente considerava muito importante o relacionamento humano entre os gestores e os colaboradores. Tive a felicidade de precocemente vivenciar essa filosofia, junto com os meus primos, durante toda a minha adolescência.

Esse foi o seu despertar para o mundo da gestão empresarial.

Sem dúvida. Eram tomadas iniciativas que, para mim, se tornaram embriões de um futuro conhecimento mais profundo e avançado de uma boa gestão. Por exemplo: o meu avô quando, em vida, fez a sucessão da empresa e doou aos filhos seu patrimônio, fomentando na família a importância da governança corporativa.

Para ser admitido na Santa Cruz, qualquer pessoa da família precisava ter passado três anos no mercado de trabalho. Isso me fascinava muito. Acabei me tornando presidente do Conselho de Herdeiros e o primeiro primo a fazer parte da Assembleia de Acionistas, representando meu núcleo familiar.

Essa vivência juvenil na empresa do seu avô acabou, então, despertando o seu interesse para a modelagem e gestão de uma organização empresarial. Qual foi o passo seguinte?

Resolvi cursar Administração de Empresa. Além de empreendedor, acabei me inclinando bastante para a consultoria. Fui estudar na Fundação Getúlio Vargas (FGV), que na época era a melhor escola de Administração do país e a mais difícil de entrar. Não prestei vestibular para nenhuma outra faculdade.

Após iniciar minha carreira na Integration Consulting, aos 26 anos, me tornei o CFO (chief financial officer) de uma incorporadora e construtora de São Paulo. Em sintonia com minhas primeiras experiências profissionais, fiz especialização na Fundação Dom Cabral, em Belo Horizonte, e na Wits University (a University of the Witwatersrand), em Joanesburgo (África do Sul).

Posteriormente, passei a empreender. Abri minha consultoria de gestão empresarial e posteriormente uma pequena incorporadora. Comecei a construir predinhos para vender. E dava consultoria para a empresa de amigos, tentando resolver a vida de todo mundo.

Com uma densa formação também em planejamento estratégico, qual é a sua visão sobre o que a Abrasel deve priorizar no período pós-pandemia?

Em primeiro lugar, devemos reconhecer que a trajetória da Abrasel tem sido notável. Tanto assim que ela se tornou uma das entidades mais influentes no país.

A atuação da Abrasel foi decisiva para que, por exemplo, o limite máximo da receita bruta anual do Simples passasse, em 2018, de R$ 3,6 milhões para R$ 4,8 milhões. Antes, em 2013, partiu da Abrasel a ação para que a presidente Dilma Rousseff, editasse a Medida Provisória pondo fim aos tempos em que as empresas do mercado de cartão de crédito, que até então atuavam sem qualquer fiscalização e monitoramento, se subordinassem à supervisão do Banco Central.

O desempenho da Abrasel, por ocasião da reforma trabalhista de 2017, foi também extraordinário, com destaque para a introdução da jornada intermitente na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Depois, a Abrasel abriu uma frente de batalha com vistas à maior concorrência bancária. Também passou a apontar a necessidade de se promover verticalização no segmento de cartões de crédito, em que empresas se juntam para dominar todos os elos de um mesmo negócio.

Certamente essa mobilização, liderada pela Abrasel contribuiu para que estejamos presenciando progressos no sentido da maior concorrência no mercado financeiro. Mesmo assim, o Brasil continua registrando as maiores taxas de juros do planeta. O fato é que estamos, agora, assistindo a um processo de gradativa inclusão financeira e tecnológica. Isso com o Open Banking, o PIX, os bancos digitais.

Qual é, a seu ver, o efeito imediato do PIX no que se refere à inclusão financeira?

O PIX está colocando muita gente dentro do mapa do empreendedorismo. Tem muita gente que só recebia dinheiro, não queria a maquininha de cartão, porque as taxas são gigantescas. Mais de 40% da população já usaram o PIX uma vez.

Isso coloca o cara dentro do sistema financeiro. Mostra para o governo quem está no sistema financeiro. O governo, se for inteligente, pode decidir reduzir a carga tributária, porque multiplicou a sua base de arrecadação.

Essa pessoa começa a ter vida de empreendedor formal. É fundamental que se efetive e se aprofunde a inclusão financeira pela via da expansão do empreendedorismo, o que ocorre quando há a bancarização dessas pessoas que, com o advento do PIX, estão agora começando ingressar no sistema.

Além de pagar e receber pelo PIX, o que mais precisa acontecer para que se avance o processo de inclusão financeira?

Uma inclusão financeira somente começa a se efetivar, de fato, quando a pessoa que abriu a conta passa a acessar as linhas de crédito. Que esse estreante do pagamento e do recebimento instantâneo do PIX, use o banco de verdade.

Ou seja, que faça poupança, que realize pagamentos, que faça plano de seguro e acesse os extratos. Aí, sim, quando ocorre a bancarização, nos termos em que falei, podemos então dizer que houve inclusão financeira. É processo que requer a simultânea inclusão digital.

Qual é a trava brasileira que impede as pessoas de, primeiramente, se incluírem no mercado financeiro, nas conexões digitais e no empreendedorismo formal?

É a falta de uma qualificada educação de base. Generalizadamente, falta um acentuado e firme processo de desburocratização. A burocracia contamina e emperra todo o organismo nacional. Derruba a produtividade, reduz a qualidade das escolas públicas, sobretudo no ensino fundamental.

Freia a inclusão digital. Mantém sufocada, no país inteiro, a cultura empreendedora. Torna a administração pública ignorante quanto ao que se passa na vida real. Desde o início da pandemia, em fevereiro de 2020, tudo isso veio à tona.

Nós, do setor da alimentação fora do lar, fomos as vítimas número um do centralismo burocrático que habita as esferas oficiais, sobretudo no âmbito das prefeituras, mas também, em segundo plano, nos governos estaduais.

Como foram as tentativas de diálogo do setor da alimentação fora do lar com os poderes públicos municipais e estaduais?

Eles se revelaram totalmente desconhecedores dos mais corriqueiros procedimentos diários de um bar e restaurante. Todas as vezes que nós, da Abrasel, íamos conversar com eles, o que eles demonstraram era um descolamento da realidade, um grande desconhecimento do que estava acontecendo na base.

Impunham suas decisões de abre e fecha, guiados pelas tentativas de erro e acerto. Isso resultou em uma tragédia para os empregadores e funcionários. É assim que a gente voltou a constatar, presencialmente, o divórcio que existe entre os donos do poder e a sociedade.

Os profissionais da linha de frente do setor público, como os professores, policiais, garis e agentes de saúde são também vítimas do aparato estatal centralizador-burocrático. Eles têm de atender ao cipoal de regramentos que lhes vêm dos poderes legislativo, executivo e judiciário.

A propósito, a filósofa Hannah Arendt escreveu que, nas sociedades dominadas pela burocracia, os agentes e funcionários públicos acabam se eximindo de suas responsabilidades. Alegam que apenas cumprem as normas. Segundo a filósofa, esses regramentos vêm de um poder invisível, do “domínio de Ninguém”.

Assim é o Brasil. Nós, aqui de baixo, absolutamente não temos direito nenhum de errar. Os de cima erram o tempo todo, e fica por isso mesmo. Por exemplo, fazem uma intervenção urbana decidida por meia dúzia, nos gabinetes.

A pretexto de algo que aparentemente é muito bom, como a revitalização da área central da cidade, já fecham uma rua, abrem uns buracos, criam o caos no trânsito. Não consultam aqueles que conhecem as ruas, sejam os comerciantes em geral, a associação dos ambulantes, os donos e funcionários de bares e restaurantes, os motoristas de ônibus, os taxistas e motoboys. Esse alheamento permeia tudo.

E o resultado é o que a gente vê, em todas as esferas do cotidiano. Os fiscais chegam com uma autoritária ordem de punir os que, detalhadamente, não cumpram as minúcias de montanhas de regras. E o sujeito que se aventurou a empreender, sem uma base mínima de conhecimentos de administração e sem o conhecimento dos incontáveis riscos existentes nos meandros de uma vastidão de normas, acaba sendo facilmente penalizado.

Depois de dois anos da aprovação da Lei da Liberdade Econômica, a maioria dos municípios brasileiros não aderiu a ela. Na lei autoriza-se que seja eliminada a necessidade de alvarás de funcionamento para atividades de baixo risco.

De fato, para que a lei entre em vigor é preciso que as câmaras municipais regulamentem. Não adianta a lei ser aprovada no Congresso Nacional, ser sancionada pelo presidente da República, e publicada no Diário Oficial, se não chega na ponta. Enquanto a população, a Câmara Municipal e a prefeitura não se envolverem, a lei vira letra morta. É preciso que haja pressão. As prefeituras não abrem mão da receita dos alvarás.

É possível imaginar que um dia o Brasil se livrará dessa cultura centralizadora e burocrática que há séculos se tornou irremovível no país?

Nós nos libertaremos de um Estado brasileiro gigante e ineficiente que acaba sendo gerador de exclusão social e econômica quando tivermos uma classe média mais robusta, nascida da iniciativa privada, e não das altas castas do funcionalismo público, como é hoje.

Isso ocorrerá quando houver uma acentuada inclusão empreendedora, capacitando os informais que se espalham em todas as cidades brasileiras, transmitindo-lhes, já no currículo escolar, as noções básicas de administração da vida pessoal e dos negócios, principalmente no ensino médio, como é da tradição das escolas nos Estados Unidos. (Obs.: No pé desta entrevista, um texto sobre o ensino fundamental e secundário nos Estados Unidos)

O cenário da informalidade estende-se também aos trabalhadores autônomos.

Há muitos e muitos anos, são comuns na cena brasileira os prestadores de serviços informais, como os eletricistas autônomos, que acabaram desenvolvendo na marra o seu ofício, sem a mínima base teórica de um engenheiro eletricista.

O eletricista que presta serviço apenas repete o que via seu pai fazer. E, por sua vez, acontece de o engenheiro eletricista carecer de conhecimentos básicos do empreendedorismo, pois saiu da faculdade sem qualquer aprendizado sobre a gestão de negócios.

Esse engenheiro, quando abre a sua empresa de prestação de serviços, não sabe contratar pessoas, não sabe precificar, desconhece as armadilhas da legislação trabalhista. O sujeito paga em dia o funcionário que está com ele há três anos, mas paga errado. Depois que sai da empresa, aquele funcionário aciona a justiça trabalhista e quebra o cara.

Na faculdade, o aluno pode até aprender a ganhar dinheiro, mas não sabe gerenciar dinheiro.

Os desafios são muitos e são difíceis de serem vencidos.

Nem tanto. Precisamos ter foco nas questões essenciais. Foco na educação de qualidade, na pedagogia da gestão de nossas vidas pessoais e familiares, na inclusão empreendedora que nos levará a ampliar consideravelmente a classe média, criando-se uma prosperidade sustentável, em um ambiente nacional realmente democrático, arejado e livre.

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